José da Silva Ribeiro

Denise Machado Cardoso [!]


Entrevistado José da Silva Ribeiro

José Maria Gonçalves da Silva Ribeiro atua como professor visitante na Faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal de Goiás (UFG). É graduado em Filosofia pela Universidade do Porto (1976), e em Cine Vídeo pela Escola Superior Artística do Porto (1989). Possui mestrado em Comunicação Educacional Multimídia pela Universidade Aberta de Portugal (1993) e doutorado em Ciências Sociais - Antropologia pela Universidade Aberta de Portugal (1998).

Sua experiência na área de Antropologia Visual se expressa principalmente nos seguintes temas: Antropologia Visual, Antropologia Digital, Cinema, Métodos de Investigação em Antropologia, Interculturalidade e Cultura Afro-Atlântica. Realizou trabalho de campos em vários países como: Portugal, Cabo Verde, Brasil, Argentina e Cuba. Atualmente, coordena a Rede Internacional de Cooperação Científica Imagens da Cultura /Cultura das Imagens. Professor visitante da Universidade Mackenzie (Educação, Arte e História da Cultura), da UECE, da UCDJB, da Universidade de Múrcia - Espanha (ERASMUS) e da Universidade de Savoie - França, Universidade de São Paulo. Coordena o Grupo de Investigação Antropologia Visual /Média e Mediações Culturais - CEMRI: Universidade Aberta. (Essas informações estão confusas)

José da Silva Ribeiro foi um dos nomes de destaque no II Encontro de Antropologia Visual da América Amazônica (II EAVAAM), que ocorreu entre os dias 25 a 27 de outubro de 2016 na Universidade Federal do Pará (UFPA), em Belém. Neste evento proferiu palestra sobre O Desenvolvimento da Antropologia Visual. Além de ter participado de mesas redondas e diversas atividades do evento.

Nesta entrevista, José Ribeiro fala de sua trajetória acadêmica, especificamente na Antropologia Visual, o diálogo entre diversas áreas de sua formação e as implicações desta diversidade em seus estudos atuais. Destaca também, a importância da ampliação das práticas de campo participativas e os resultados promissores desta inserção, e produção etnográfica. (estranho)

 

 

 

Denise Cardoso: Em que consiste o projeto de Etnografias Audiovisuais participativas?

José Ribeiro: Antes de dizer em que consiste o projeto de Etnografias Audiovisuais participativas, não posso deixar de referir a sua gênese. Quando comecei a estudar os filmes de Jean Rouch e a ler o que escrevia acerca das relações com as pessoas filmadas, despertei para muitas coisas a que era particularmente sensível e a interrogar-me: Por que é que o conhecimento não era dialógico, ou seja, porque é que formas hegemônicas de conhecimento tinham de se impor aos conhecimentos não hegemônicos? Na altura fazia trabalho de campo, num bairro periférico de Lisboa, com uma colega e amiga que estudara numa Universidade Canadiana e sempre me referia à palavra negociação. Estas situações criaram em mim a necessidade de aprofundar estas duas questões. Por um lado, a Antropologia partilhada de Jean Rouch apresentada de forma muito elaborada, sobretudo em três filmes Moi un Noire, Piramide Humaine e Chronique d’un Été, perspetivas de uma Antropologia partilhada. Por outro, a ideia de que o conhecimento é uma contínua negociação, conhecimento construído de forma dialógica, uma espécie de lugar intermediário entre duas culturas - «um momento de pensamento intercultural» (Clifford 1880).

Experimentei e compreendo que isto não era facilmente realizável. Nem as relações de Rouch com Robinson em Moi un Noire foram fáceis, nem a negociação a que se referia à colega era tão aberta na construção dialógica do conhecimento. Era, no entanto, o caminho que pretendia prosseguir. Era mais fácil criar um conhecimento dominante (controlador) que um conhecimento emancipador e muito mais um conhecimento transformador.

Ao ler o trabalho de muitos antropólogos notei muitas formas de referir esta ideia que, por vezes, a Antropologia desejou construir. Geertz ao abordar a relação entre o saber local e o global, Clifford referindo a construção do conhecimento em Antropologia como um momento e uma forma de pensamento intercultural, Mondher Kilani alertando para o etnocentrismo moralista e para a “indigenização” do antropólogo, Michael Fischer ao atribuir aos generosos esforços dos antropólogos em dar contra do “ponto de vista do nativo”, de forma que os nativos o reconheçam como correta e que o situe no contexto dos interpretes nativos ou não.

Neste contexto, a importância dos antropólogos e dos antropólogos visuais desenvolverem instrumentos de tradução e mediação para ajudar a tornar visíveis as diferenças de interesse, de acesso, de poder, de necessidades, de desejos e ainda de perspetiva filosófica (Fischer). Quer os filmes dos antropólogos, quer dos cineastas indígenas a sua função é, sobretudo de mediação, isto é “comunicar algo acerca desta identidade social ou coletiva que chamamos “cultura”, de modo a mediar – atuar entre partes para produzir uma compreensão, um compromisso, uma reconciliação – (esperamos) através de aberturas (intervalos – fronteiras culturais) de espaço, de tempo, de conhecimento e de preconceito” (Ginsburg).

As formas colaborativas e/ou participativas de pesquisa e de produção audiovisual ganham novas dimensões com o desenvolvimento de pesquisa em ação (research in action) e o repensar as questões éticas na pesquisa com muitos antropólogos, cientistas sociais, filósofos das ciências sociais a formalizarem essas preocupações em busca de paradigmas de construção de conhecimento que respondam às questões de ciência com ética e estética na sociedade contemporânea.

Foram estas questões que trouxe, há umas décadas para uma tese de doutoramento, posteriormente para o desenvolvimento de práticas em antropologia e antropologia visual com o desejo de aprofundar as etnografias audiovisuais participativas.

Houve, no entanto, fatores mais próximos, sobretudo os decorrentes do trabalho em Universidades Europeias e Universidades da América Latina que motivaram para este percurso. O diferencial situava-se sobre tudo nas relações de poder (no trabalho de campo, no ensino e na construção discursiva) ou referindo George Marcus “as relações diferenciais do poder que dão a forma final aos meios e modos de representação do saber” ou de outra forma “As Epistemologias do Sul” (Santos) ou Antropologia Recíproca (Umberto Eco e Alain le Pichon).

Mais importante, porém eram as perguntas: Como se desenvolvem estas práticas na atualidade? Como se aproximam e diferenciam em contextos diversos? Como se apresentam e se fundamentam perante a academia? Que processos de mudança induzem na prática da Antropologia e nas Instituições Universitárias? Como se reconfiguram as relações com as populações participantes neste processo de construção de conhecimento?

Era importante, pois inventariar práticas, criar um corpus que permita a comparabilidade das práticas desenvolvidas por investigadores em contextos diversificados, verificar sua aceitação e credibilização nas instituições científicas, profissionais e acadêmicas. Os estudos de caso, os discursos e a produção audiovisual local (dos antropólogos e dos atores sociais locais) constituem, pois o centro deste projeto de pesquisa.

Isto tornava-se viável nos encontros proporcionados pelos Congressos e Conferências, pela credibilização dos meios etnográficos audiovisuais pelas associações profissionais e pelas instituições científicas e acadêmicas (recorde-se que em 2015 a American Anthropological Association reconhece o valor das Médias Visuais Etnográficas na pesquisa e produção do conhecimento, no desenvolvimento e no debate teórico, no ensino e na ação junto das comunidades, dos governos e das instituições/organizações), pelo desenvolvimentos das médias e pelo acesso generalizado das populações às tecnologias digitais.

 

Denise Cardoso: Onde já existe uma “semente plantada” desse projeto?

José Ribeiro: Os primeiros colaboradores e participantes neste projeto foram os colegas que se inscreveram no GT 20 - Etnografias Audiovisuais e a rodução partilhada do conhecimento apresentado por José da Silva Ribeiro (CEMRI-UAb), Zilda Iokoi e Sérgio Bairon (DIVERSITAS-USP) na XI Reunión de Antropología del MERCOSUL  novembro/dezembro de 2015 (Montevidéu) e posteriormente no T029 - Etnografias Audiovisuais participativas apresentada por José da Silva Ribeiro (CEMRI-UAB), Renato Athias (UFPE) e Lisabete Coradini (UFRN) no VI Congresso da Associação Portuguesa de Antropologia - Futuros disputados em junho de 2016 (Coimbra). Posteriormente realizaram-se atividades de formação e exploração no âmbito do projeto no Fórum Mira em Portugal – com colegas em situação de pós-douramento no GI Média Mediações Culturais da Universidade Aberta de Portugal, na Universidade Federal do Pará, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, nos Curso de Verão que se realiza anualmente no âmbito do Festival de Filmes do Homem, no DIVERSITAS – Universidade de São Paulo, na Universidade Estadual Vale do Acaraú e de forma mais sistemática na Universidade Federal de Goiás – Programas de Pós-Graduação em Arte e Cultura Visual e Antropologia Social.

Em preparação a participação V Congreso de la Asociación Latino Americana de Antropología e o XVI Congreso de Antropología na Colombia e Action Research Network of the Americas[1] (ARNA) junho de 2017.

Os grupos de pesquisa que estão mais mobilizados para o desenvolvimento do projeto são o VISAGEM – Grupo de Pesquisa em Antropologia Visual e da Imagem da Universidade do Pará que iniciou contatos XI Reunión de Antropología del MERCOSUR e que desenvolve uma intensa atividade de pesquisa e organiza os Encontro de Antropologia Visual Amazônica, o programa Visualidades da Universidade de Vale de Acaraú que se juntaram ao indicadores e apresentadores das propostas nos Congressos e nos primeiros Encontros de formação e exploração em Portugal, e no Brasil dos quais destaco as atividades desenvolvida: no Fórum Mira e o Festival de Filmes do Homem / Curso de Verão[2] em Portugal, os Programas de Pós-Graduação em Arte Cultura Visual e Antropologia Social da Universidade Federal de Goiás e recentemente criada a Rede de Pesquisa em Educação e Mídia – Universidade Federal do Rio de Janeiro e  Collaborative Action Research Network - Portuguese Action Research[3]

 

Denise Cardoso: O que quer com isso, com esta proposta?

José Ribeiro: Poderemos identificar algumas grandes metas ou lutas (intermináveis): o reconhecimento dos saberes locais na academia; o diálogo entre os saberes locais e os saberes da academia; envolvimento da sociedade (indivíduos, grupos comunidades) na resolução de seus problemas e nos processos de mudança; a formação de antropólogos, cientistas sociais, cineastas e artistas; a produção científica, artística e cultural; a fundamentação epistemológica, ética e estética destas práticas; a passagem de Racionalidade Instrumental à Racionalidade dos Valores. Estas são metas que se podem projetar no momento de partida ou no estado de desenvolvimento do projeto. Como projeto em rede e de pesquisa participativa deve aproximar-se dos interesses locais, dos atores sociais e populações envolvidas, dos grupos de pesquisa, dos programas acadêmicos. Na verdade, a pesquisa e pesquisa em ação deve, em meu entender, centrar-se tanto nos atores sociais quanto nas estruturas, sem cair na armadilha dos dualismos atores-estrutura, hermenêutica-estruturalismo, voluntarismo-determinismo. Precisamos de um movimento para além desses dualismos.

Há alguns princípios nos me parecem relevantes: o pesquisador tornar-se intimamente próximos daquilo que estudam e enraizar sua pesquisa no contexto relevante, diálogo e a multiplicidades de vozes, casos e contextos concretos mais que conhecimentos gerais, a importância mais do “como” do que do porque e a centralidade das narrativas na pesquisa e na pesquisa em ação, ênfase nas pequenas coisas, atenção maior às praticas que aos discursos - a pesquisa deve focalizar atividades e conhecimentos práticos, em situações da vida cotidiana. Estes princípios enunciados por Bent Flybverjeg são referência que nos parecem importantes.

 

 

Denise Cardoso: De onde surgiu essa ideia?

José Ribeiro: Fazes sempre perguntas complexas e que remetem para meu percurso, minha história, para que me exponha de uma reforma reflexiva. As escolhas dos nossos temas de pesquisa, das relações que estabelecemos não é aleatória, mas também não é estreitamento lógica. Aparece frequentemente como um “acaso” ou melhor como resultante da confluência ou combinação de fatores pessoais, cultura disciplinar e forças externas, num ambiente político, social e econômico. Acho que talvez nem o psicanalista me poderia dizer de forma clara porque segui este caminho. O meu percurso individual como o de qualquer ator social, por mais racional que seja, nunca é um todo coerente, mas resultado de uma sequência de acasos. Nas atividades criativas, como a investigação e o ensino, esta situação é particularmente relevante. Mais ainda em tempo de sociedades e culturas instáveis, tempos líquidos, vidas fragmentadas, como estas em que vivemos. Os investigadores e docentes para se entenderem a si próprios vão-se tornando antropólogos, sociólogos, psicólogos e historiadores das suas próprias raízes, das suas pesquisas e dos seus percursos a que posteriormente sempre pretendem dar uma coerência epistemológica. É isto mesmo que tentei fazer nesta conversa e neste processo reflexivo proporcionado pelo convite para esta conversa: identificar situações e realizações concretas do passado e inseri-las numa narrativa construída no presente.

A ideia surge do percurso de pesquisa e ensino desenvolvido ao logo das últimas duas décadas, das experiências de trabalho de campo, das conversas com os colegas, das práticas de ensino, da necessidade de fundamentar estas práticas e de contestar os saberes hegemônicos, o autoritarismo das instituições acadêmicas, a desvalorização das imagens e tecnologias digitais na pesquisa em Antropologia. Há, com certeza, razões mais íntimas que me levaram às minhas escolhas ou ao percurso que emerge das escolhas e dos acasos: a luta contra a solidão pessoal, mas também a solidão da escrita, da pesquisa, do trabalho de campo, a luta contra a timidez, o desconforto com os poderes hegemônicos e autoritários. A censura de minha mãe ao dizer que “sempre fazes o que queres” é para mim uma espécie de elogio não pretendo prescindir de mim mesmo. Marcel Mauss para mais dois princípios a reciprocidade e a comunidade. Talvez esta tríade que me pareceu encontrar no Colá San Jon em Cabo Verde e na periferia de Lisboa sirvam para eu próprio entender o meu percurso e esta decisão de propor este projeto. Há no projeto um percurso individual que seria longo e fastidioso expor, uma rede de relacionamentos, de dádivas, de trocas generosas (um hau) que mantém a rede e o interesse pela pesquisa. A pesquisa não se esgota nesta rede e na produtividade científica dos participantes. Esta produção científica e cultural encontra múltiplas formas de partilha - na construção de conhecimento, na utilização do conhecimento, na criação de valor para todos os envolvidos.  

 

 

Denise Cardoso : Algo mais a dizer sobre o projeto?

José Ribeiro: Sim, muitas mais coisas haveria para dizer. A primeira os agradecimentos pelo convite para este diálogo, esta conversa, este acerto de agenda para os percursos que temos de enfrentar. Esta conversa surge depois de duas participações nas atividades do VISAGEM, numa passagem no Círio de Nazaré, e do Açaí no Mercado do Ver-o-peso. Formas simbólicas ou sociais de solidificar relações de criar condições para desenvolver muitos projetos de pesquisa audiovisual participativa. Penso que será longo o caminho, mais longo que nossas vidas, mas um caminho feito com as pessoas com quem trabalhamos, nossos interlocutores a quem devemos devolver o conhecimento que com eles construímos e que este lhe sirva nas escolhas de seus percursos. Um poema canção[4] de Manuel Freire que frequentemente me vem à memória resume algo que nos serve para o projeto e para o trabalho do antropólogo: Se poeta sou / Sei a quem o devo / Ao povo a quem dou / Os versos que escrevo // Da sua vida rude / Colhi a poesia / Tentei quanto pude / Dar-lhe a melodia // E é nessa harmonia / Entre a forma e o fundo / Que eu desejaria / Ver florir o mundo.

 

 

 

Goiânia, 25 de dezembro de 2016.

 


[1] http://arnawebsite.org/conferences/

[2] http://www.filmesdohomem.pt/

[3] http://carn.org.uk/updates/carn-on-the-move/

[4] https://www.youtube.com/watch?v=6P87qMT0HDA&spfreload=10

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