Palavra-chave: Midiatização; Narrativas imagéticas; Moda Paraense.
Keywords: Mediatiation; Imagetic Narratives; Paraense Fashion.
Introdução
O editorial fotográfico é considerado uma narrativa que constrói sentido por meio de imagens: à primeira vista, o sentido das fotos está relacionado a apresentar roupas que serão posteriormente comercializadas, porém, a inspiração para os modelos das peças revela outra intenção: a da cultura da música tecnobrega, outrora considerada popular em um sentido perjorativo, inserida como parte da cultura paraense. Por isso, a problemática levantada pelo trabalho é discutir qual o sentido de cultura produzido e refletido pela moda paraense por meio do editorial fotográfico como objeto de pesquisa?
O objetivo é discutir a identidade paraense da marca “Visto Olga” impressa no editorial fotográfico, refletir como esse trabalho faz parte da diversidade de narrativas imagéticas da Amazônica Contemporânea e como representa a identidade paraense comunicada por meio das roupas e das fotos. Para isso, será feita uma análise semiótica de vertente francesa do ensaio partindo da premissa que a marca mostra além do óbvio, as roupas com características do estilo musical, o oculto, ou seja, a midiatização da cultura tecnobrega como algo popular e como elemento da identidade local.
O percurso para a construção do artigo é discutir a midiatização da cultura tecnobrega e como a moda se apropriou dos elementos culturais característicos desse estilo musical para criar peças com essa temática; analisar o editorial fotográfico “Treme” como uma narrativa imagética que vai contar uma história, isto é, fazer um recorte da realidade a partir não só das roupas, mas também da fotografia ambientada com as características de festas de aparelhagem.
Midiatização: a sociedade organizada a partir das expectativas da mídia
Ainda é vigente o pensamento em Comunicação de que a informação está passiva ao receptor, como se as pessoas recebessem as mensagens do mesmo jeito que os autores gostariam que elas fossem recebidas. Entretanto, o pensamento sobre o que significa a Comunicação se desenvolveu, promoveu novas perspectivas e passou a levar em consideração as condições sociais, econômicas e culturais dos indivíduos de uma sociedade.
Uma das novas vertentes de estudos aponta para o processo de “midiatização”, cujos estudos ainda estão em processo de entendimento, sendo que os autores dessa temática divergem sobre o seu significado. Esse fenômeno não ocorre de maneira igual em todos os lugares, por isso é necessário levar em consideração os contextos sociais e culturais para que se possa falar da midiatização.
Ao longo do século XX, os meios de comunicação tiveram papel fundamental na midiatização da sociedade, pois, o aperfeiçoamento técnico da fotografia, cinema, rádio, jornais impressos, televisão e outros permitiu maior velocidade na difusão de informação. Assim, moda, música, artes e todos os movimentos passaram a ganhar espaço e visibilidade na mídia, portanto, há uma midiatização da música tecnobrega quando ela começa a ser tocada em trilha sonora de novelas nacionais, por exemplo.
Alguns autores da área da Comunicação pesquisam o termo “midiatização” e entendem como um processo por meio do qual a sociedade passa a organizar suas práticas políticas e afetivas conforme as expectativas da mídia. Esse processo tomou fôlego na segunda metade do século XX, outorgando à mídia um papel estratégico em nossa sociedade. Temos hoje um panorama social no qual nossas experiências são cada vez mais permeadas por relações comunicacionais que, em determinado momento, são perpassadas pela mídia, promovendo assim novas formas de interação social: as esferas da vida social e individual se reorganizam em função da lógica midiática (SCHIMTZ, 2007, p.2).
Quando a música tecnobrega, ritmo paraense marcado por ser típico da periferia, se torna trilha sonora de novelas nacionais, pauta de programas de televisão e os cantores locais ganham destaque em todo país e no mundo, a mídia passa a voltar os olhos para a música e logo ela se torna tema de conversa no cotidiano das pessoas de fora da cidade.
Ainda sobre a midiatização, Sgorla (2009) traz um apanhado sobre o tema com o pensamento de alguns autores da Comunicação, como Antonio Fausto Neto que aponta uma sociedade midiatizada de natureza social fragmentada e em constante construção. Para o pesquisador Eliseo Véron, a sociedade midiatizada tem o funcionamento relacionado com a existência das mídias, assim, a sociedade midiatiazada está ligada às tecnologias e às mudanças sociais causadas por elas.
Em síntese, a autora explica que
Na “sociedade midiatizada”, a cultura do campo midiático e dos demais campos sociais se bifurcam mediante a expansão das tecnologias midiáticas, o que se dá segundo múltiplas, infinitas, descontínua, heterogêneas e complexas formas, intensa e extensamente, objetiva e subjetivamente, formal ou informalmente, na sistemática do tecido social. Com efeito, os atores sociais acabam reconfigurando seu modo de estar no mundo e são condicionados a uma nova experiência; a uma nova forma de existência social; a novos vínculos; a novos modos de agir, acolher significados e produzir sentidos; a novas estruturas para perceber e pensar o real; a no - vos mecanismos de tomadas de decisão; e a novos meios de interagir e de comunicar que só têm validade na jurisdição da “sociedade midiatizada”. (SGORLA, 2009, p.67).
A partir dos anos 2000, a Internet ficou mais acessível e o acesso à informação ficou mais fácil graças ao barateamento da tecnologia e dos aparelhos como computadores de mesa, notebooks e, mais recentemente, smartphones. As pessoas passaram não só a ler mais rapidamente notícias vindas do outro lado do mundo como também passaram a criar e compartilhar conteúdo. Um exemplo claro dessa mudança é o fenômeno de blogs sobre os mais diversos assuntos e o grande número de usuários de redes sociais online na web.
De acordo com o autor argentino Eliseo Verón, a midiatização transcende os meios e as mediações e concebe três campos que instituem relações e são influenciados por elas: campo das instituições, das mídias e dos atores sociais. As praticas dos processos de midiatização afetam, de diferentes maneiras, as práticas sociais atuais.
O autor defende que, primeiramente, os meios tinham como fim o serviço de comunicação, entretanto, eles não são apenas canais de reprodução, mas produtores de sentido, isto é, a sociedade mediatizada surge quando os meios passam a se constituir como instituições que atuam conforme a lógica do modelo já estabelecido. A midiatização é o nome dos fenômenos midiáticos que foram institucionalizados dentro da sociedade.
Verón aponta para uma perspectiva mais antropológica da midiatização, como o resultado da capacidade de semiose cujo resultado se expressa na produção de fenômenos midiáticos:
A midiatização certamente não é um processo universal que caracteriza todas as sociedades humanas, do passado e do presente, mas é, mesmo assim, um resultado operacional de uma dimensão nuclear de nossa espécie biológica, mais precisamente, sua capacidade de semiose. Essa capacidade foi progressivamente ativada, por diversas razões, em uma variedade de contextos históricos e tem, portanto, tomado diferentes formas (VERÓN, 2014, p. 14).
Para o autor argentino, o ponto central da expressão dos processos mentais possui consequência tripla baseada em termos peirceanos:
sua primeiridade consiste na autonomia dos emissores e receptores dos signos materializados, como resultado da exteriorização; sua secundidade é a subsequente persistência no tempo dos signos materializados: alterações de escalas de espaço e tempo se tornam inevitáveis, e a narrativa justificada; sua terceiridade é o corpo das normas sociais definindo as formas de acesso aos signos já autônomos e persistentes (VÉRON, 2014, p. 15).
Se considerada apenas os adventos técnicos, a midiatização pode ser datada a partir de uma nova invenção, assim sendo para as ocorrências históricas que se institucionalizam na sociedade. Três observações são apontadas por Véron em relação ao processo não linear da midiatização: 1) o crescimento dos meios produz efeitos radiais, ou seja, o alcance dos efeitos se esvai por todas as direções, com intensidades diferentes; 2) não há linearidade nos processos dos fenômenos midiáticos; 3) as duas observações anteriores tem como consequência a aceleração do tempo histórico.
Os fenômenos midiáticos criam independência entre emissores e receptores e como consequência há uma des-contextualização das informações, já o que tinha significado em determinado espaço e/ou tempo pode passar a ter outro significado em uma ocasião diferente: “A descontextualização abre a porta para múltiplas quebras de espaço e tempo produzidas por qualquer dispositivo técnico de uma forma específica, ao longo de toda a história da midiatização” (VÉRON, p. 17, 2014).
Há também uma diferenciação entre a comunicação direta, ou face a face, e a mediada por algum dispositivo:
No meu ponto de vista, a comunicação humana é completamente não linear, em todos os seus níveis de funcionamento, pois é um sistema auto-organizador distante do equilíbrio. A especificidade do face a face da comunicação não é sua suposta linearidade, mas a ausência de fenômenos midiáticos (VERÓN, p. 17, 2014).
Para Verón, a sociedade mudou com os meios de comunicação porque, através dos meios, a comunicação passou a dar ordens à social focada na vivência mediada: as pessoas pautam suas vidas, suas conversas e suas histórias a partir do que está colocado pela mídia, assim como ocorreu com a música tecnobrega paraense.
O estilo musical tecnobrega
O “brega” é um estilo musical paraense cuja popularidade data as décadas de 1970 e 1980 e os temas são normalmente romantizados, fazendo jus ao titulo de “cafona”, no sentindo de serem músicas sentimentais e de sofrimento amoroso. A expansão do gênero está ligada ao desenvolvimento da produção musical no país.
“A emergência do brega paraense nos anos 1980 é resultado justamente da combinação entre influências e experimentações musicais de grande sucesso popular, a ascensão de astros locais da canção de massa e a formação local de empreendimentos de produção fonográfica e difusão musical” (COSTA e CHADA, p. 262, 2013).
Os ritmos brega e lambada passaram a fazer parte da cultura, junto com o carimbó, merengue, mambo e bolero, como estilos musicais próprios do Pará. Tais ritmos se difundiram nos anos 1980, nas festas de aparelhagens. O brega não é só música, mas também tem um significado dançante. Costa e Chada (2013) colocam o ritmo como música para o povo “especialmente através de sua apropriação pela dança e de sua crescente identificação com os eventos dançantes sonorizados por aparelhagens” (p. 9, ano). O titulo de música para o povo não impediu que crescesse e se tornasse conhecido em outras partes do país.
A técnica dos meios de comunicação possibilitou a divulgação e compartilhamento das musicas em ritmo tecnobrega. Representantes do estilo, a cantora Gaby Amarantos e a banda Gang do Eletro ganharam destaque ao ter canções em trilhas sonoras de novelas da Rede Globo. Aqui, encontramos o brega como uma fenômeno midiático em processo não-linear, já que o alcance em forma radial conquistou e influenciou o assunto do cotidiano da sociedade. Assim, a música não só se destacou como ritmo dançante, mas influenciou várias camadas da sociedade e outros campos, como a moda, por meio de narrativas, como o editorial fotográfico analisado neste artigo da marca paraense “Visto Olga”.
As narrativas imagéticas: imagens que contam história
Narrativas são histórias e histórias são contadas o tempo todo. Ao contar histórias, fazemos escolhas sobre o que vai ser contado e o que vai ser omitido em determinado espaço, seja físico, como o espaço de um jornal, seja abstrato, como ocorre ao contar uma história. Em “Análise da Narrativa Crítica” (2013), Luís Gonzaga Motta discute a narrativa a partir de uma perspectiva de enunciação, ou seja, a proposta está focada no processo de comunicação narrativa.
O autor aponta seis razões para estudar narrativas. Primeiro, é uma maneira de entender quem somos a partir das histórias que contamos: “Compreender um pouco mais o ser humano na sua complexidade, entender o mundo humano, demarcar nossas identidades, o que somos, como nos constituímos é o trabalho simbólico das análises das narrativas” (MOTTA, 2013, p.30).
Segundo, é uma forma de entender as representações do mundo que são criadas a partir das narrativas e que permeiam a sociedade contemporânea que se cruzam nas relações humanas. Terceiro, e ainda sobre representações, narrativas permitem esclarecer as diferenças entre representações reais e fictícias. Dialogando com Paul Ricoeur, Motta aponta que não se podem pensar as narrativas sem que elas estejam em um contexto significativo, já que as histórias são contadas a partir de uma intenção.
A quarta razão pela qual devemos estudar as narrativas é elas servem para entendermos o passado recriado por meio das histórias e até onde essas histórias realmente aconteceram. Também é uma maneira de identificarmos como histórias se tornam legitimas dentro da sociedade. Por fim, estudar narrativas é necessário para que as histórias sejam melhores contadas e renovadas ao surgimento de novas técnicas que permitem a troca de informação.
Motta reflete sobre o significado da linguagem na experiência e conhecimento humano e coloca a narrativa no centro das discussões da realidade social. A linguagem permite que o mundo adquira sentido, sendo essa linguagem oral, imagética, escrita. A teoria narrativa, chamada de Narratologia, é o campo de estudo e um método de análise da prática de contar histórias.
A análise narrativa está relacionada com o formalismo russo e ao estruturalismo literário e antropológico francês, por isso é um método que também se aplica em outras áreas do conhecimento e se torna uma teoria interpretativa da cultura. O mundo cultural começa a existir a medida que os homens dão sentido a ele, por meio do ato de significar as coisas com relatos, sendo esses relatos divulgados cada vez mais amplamente pela mídia.
Todas as formas de significação fazem parte do mundo cultural, o que inclui imagens, objeto empírico deste trabalho. Assim, as imagens, estáticas ou em movimento, também são narrativas, principalmente nos dias atuais em que fotografias chamam mais atenção do que textos, por exemplo.
Olhamos, identificamos, construímos sentidos. É pelo olhar que estabelecemos nosso lugar no mundo que nos cerca. Estamos cercados pelo lugar onde vivemos. Nele, construímos narrativas coletivas, nos reconhecemos como conterrâneos e contemporâneos e trocamos histórias (MOTA, 2012, p.198).
Para Mota (2012), uma imagem não se transforma em cultura visual até que se torne visualidade, o que significa que a visualidade é resultado da organização social e do controle do que é mediado e meditiazidado, porque, como foi dito anteriormente a partir do pensamento de Véron, a sociedade passou a focar e guiar seus assuntos cotidianos de acordo com o que está sendo veiculado pela mídia. A visualização fica próxima do fazer histórico e se transforma na principal referencia dos significados que vamos construindo sobre o mundo que vivemos (p. 199).
A memória social de uma comunidade é construída a partir das suas visualidades que se tornam lembranças coletivas a partir das emoções que são compartilhadas pela sociedade. As imagens se tornam referencias da realidade narrativa, representam a realidade, que são, entretanto, sujeitas ao processo de mediatização, ou seja, as imagens são escolhidas a partir de uma intencionalidade.
Como referencia de acontecimentos, as imagens do mundo contemporâneo que recebemos diariamente em nossas casas via satélite ou internet, são consideradas evidencias ou documentos da realidade narrativa. Embora icônicas e, portanto, representações à semelhança do real, muitas dessas imagens nos chegam por um processo de visualização ou de mediatização, que está sujeito a regras de controle e que vão além dos processos produtivos de filmagem ou captação de cenas (MOTA, 2012, p. 200).
Se narrativas estão relacionadas à linguagem e imagens também são narrativas, logo a imagem como linguagem funciona como um sistema de representação, uma forma de se aproximar da realidade, parecer com ela, mas não ser de fato a realidade.
Uma imagem composta por vários signos, representando gestos, roupas, expressões e cores, tem uma importância comunicacional não pelo que ela é, mas pelo que ela faz. Ela constrói sentido e o transmite. Ela significa. Ao fazê-lo, retoma suas características de signo, o que existe para representar nossos conceitos, ideias ou sentimentos. E como linguagem, ela se torna uma prática significante (MOTA, 2012, p. 203 e 204).
Mota também aponta que “Como narrativas, as imagens constituem um discurso que interfere na realidade, constrói e reconstrói relações sociais e relações de poder” (2012, p. 213). Assim, o editorial fotográfico desse trabalho faz parte da grande rede de significados de moda construída a partir de recortes culturais locais, como é o caso da coleção “Treme”, da marca “Visto Olga”.
Análise semiótica: a coleção “Treme”
O percurso teórico do trabalhou permitiu chegar ao ponto de encontrar no editorial de moda “Treme”, da marca autoral “Visto Olga”, as referencias da música tecnobrega nas peças de roupas que são comercializadas. A coleção “Treme” é a segunda produzida pela marca “Visto Olga” e, seguindo o padrão da primeira chamada “Bem Belém”, busca imprimir em suas peças características da cultura paraense.
Ao todo, o editorial tem 12 fotos publicadas na página do Facebook da marca, porém, serão escolhidas quatro como corpus de análise para esse artigo, como forma de representação do todo. A questão que se pretende responder é qual o sentido de cultura produzido e refletido pela moda paraense por meio da narrativa que se encontra no editorial fotográfico? Será usada a análise semiótica de vertente francesa, tendo como base o autor Roland Barthes que é referência nos estudos de fotografia de moda.
Para Roland Barthes, o método de analise semiótica precisa levar em consideração três tipos de mensagens pelas quais a imagem é constituída: a mensagem linguística, que se refere ao texto escrito para fazer referência à imagem, a mensagem conotada ou simbólica que está relacionada aos aspectos simbólicos da fotografia, e a mensagem denotada ou icônica que permite ao leitor o reconhecimento de determinadas representações fotográficas.
A primeira imagem selecionada (Figura 1) é a de abertura do editorial. Consiste na foto de uma aparelhagem típica das festas de tecnobrega da cidade com o titulo treme, cuja fonte está com efeito para parecer que está em movimento trêmulo, no canto inferior esquerdo está a ficha técnica da produção fotográfica, no canto inferior direito estão os logotipos da marca de moda ‘Visto Olga” e da empresa que produziu as fotos e, finalmente, no canto superior direito está a mensagem linguística do editorial, com uma descrição da coleção. O texto é reproduzido a seguir:
“Nada mais paraense que o tecnobrega. A tecnologia, aliada a música, nunca deu tão certo como em Belém do Pará. Na sua mais nova coleção, a Visto Olga aceita o desafio de transformar toda essa mistura em estampas autorais e divertidas, que vão fazer você tremer e se destacar pelas ruas da cidade”.
As duas primeiras frases da mensagem linguística já delimitam o tema da coleção e o lugar de fala: a música tecnobrega é original de Belém do Pará e só aqui ela poderia ter nascido, devido ao seu contexto histórico mencionado anteriormente, sendo esse ritmo fruto da combinação de canções românticas com batidas eletrônicas possíveis graças ao uso de aparato técnico de som.
A terceira frase está voltada especificamente para o aspecto da moda: a marca transforma a mistura em estampas, ou seja, usa das referências do estilo musical para compor as peças que serão comercializadas. Em seguida, a frase afirma que as roupas “vão fazer você tremer”, sendo “tremer” uma expressão típica regional que pode se referir a dois fatos: o primeiro é o “tremer” causado pelo som alto nas festas de aparelhagem e o segundo está relacionado com o modo como as pessoas dançam nas festas, mexendo o corpo como se ele tivesse tremendo devido ao som.
Por fim, mas não menos importante, a frase encerra afirmando que as estampas da marca farão a pessoa que usar se destacar pela cidade. Aqui encontramos o aspecto fundamental da moda: diferenciar-se dos outros a partir das suas roupas e isso será possível ao usar as peças da coleção, que são diferentes de outras marcas e de lojas do tipo fast-fashion.
Figura 1: Imagem de apresentação do editorial fotográfico "Treme" da marca "Visto Olga"
Fonte: Fotografia de George Lucas (Reprodução: https://www.facebook.com/vistoolga/)
As três imagens que também foram escolhidas como corpus do artigo seguem um mesmo padrão: modelos usando as roupas da marca em um ambiente de festa de aparelhagem, por isso, algumas características são comuns as três fotos, sendo que o ambiente é escuro e possui estruturas de ferro típicas das festas de aparelhagens que estão como plano de fundo das imagens. A luz também faz referência ao ambiente em um momento noturno, quando ocorrem as festas.
As roupas usadas são inspiradas na música tecnobrega e os traços marcantes estão nas estampas: predominam cores em preto e branco, frases relacionadas ao estilo musical e aparelhagens, bem como os desenhos impressos nas vestimentas. A primeira vista, pode parecer que as peças são feitas para serem usadas nas próprias festas, mas também, pode-se interpretar que a intenção é expressar algo da cultura paraense, sem necessariamente fazer parte desse movimento diretamente, participando de uma festa de aparelhagem, por exemplo.
A segunda imagem escolhida (Figura 2) mostra a modela vestindo camiseta e saia pretas. Na camiseta está escrito “Melody”, variação da música brega, enquanto na saia é possível ver estampado desenhos que fazem referência ao estilo musical É possível ver ao fundo a estrutura de ferro da aparelhagem, sendo que a modelo está em um local alto, como se fosse uma área de camarote do espaço.
Figura 2: Fotografia que faz parte do editorial "Treme" da marca "Visto Olga"
Fonte: Fotografia de George Lucas (Reprodução: https://www.facebook.com/vistoolga/)
A terceira foto (Figura 3) mostra um casal vestindo camisas com estampas que fazem referências diretas a duas aparelhagens locais: a modelo da esquerda veste uma roupa que se refere ao “Príncipe Negro” e o modelo usa a peça que está relacionada com o “Águia”, relacionada com a aparelhagem “Águia de Fogo”. Ambos estão posicionados a frente de equipamentos de festas, estruturas metálicas em tons cinza e escuros.
Figura 3: Fotografia que faz parte do editorial "Treme" da marca "Visto Olga"
Fonte: Fotografia de George Lucas (Reprodução: https://www.facebook.com/vistoolga/)
A última foto escolhida (Figura 4) segue o padrão das anteriores, sendo que agora o casal de modelos está posicionado em frente a estrutura da aparelhagem onde o DJ da festa se posiciona nos eventos. Ambos vestem roupas com a mesma estampa: branca com linhas pretas e no canto superior direito das blusas, o logotipo da marca “Visto Olga”.
Figura 4:Fotografia que faz parte do editorial "Treme" da marca "Visto Olga"
Fonte: Fotografia de George Lucas (Reprodução: https://www.facebook.com/vistoolga/)
A partir das descrições, é possível interpretar a mensagem conotada produzida no editorial. Relacionada com o simbólico, a mensagem conotada expressa símbolos como representação de um todo, assim, podemos concluir que o ambiente, o tipo e a posição da luz e as estampas das roupas são a mensagem simbólica presente no ensaio fotográfico como um todo.
Isso significa que essas partes representam o todo das festas de aparelhagem e cada elemento se refere a algo maior que está presente nesses eventos que já fazem parte da cultura local.
A mensagem denotada está relacionada com as referências que só podem ser compreendidas por quem conhece o local de fala das imagens. E o que isso significa? Não apenas uma série de produtos prontos para serem comercializados, mas toda a influência de um estilo musical na cultura da sociedade paraense, afinal, a moda tomou como referência as características da música brega e a colocou estampa em roupas que irão ser responsáveis por produzir outros sentidos a partir do momento que pessoas a vestirem.
Conclusão
O presente trabalho discutiu a midiatização da música tecnobrega, ritmo que faz parte da cultura paraense, e como esse processo de comunicação influenciou a produção e criação de outras referências, como o vestuário, a exemplo da coleção “Treme”, da marca de moda paraense “Visto Olga”. A midiatização da Amazônia e dos elementos culturais da região levam à apropriação desses elementos por outras formas de comunicação, como a criação de peças de roupa que colocam na moda as características da música brega.
A série de fotografias do editorial permite enxergar esses elementos em uma narrativa visual midiática compartilhada que permite várias interpretações sobre o que significa usar peças de roupas com estampas relacionadas ao ritmo musical brega, pois existe uma construção de significados sobre a identidade amazônica que perpassa desde a cultura popular da música tecnobrega, a midiatização do ritmo pela grande mídia que popularizou as canções até o retorno ao local, com a fabricação de roupas que usam estampas com o tema para afirmar sua identidade e comercializar os produtos. Por fim, a pesquisa tenta ampliar as discussões sobre o tema comunicação, por meio dos conceitos de midiatização e narrativas, e moda como vestuário e como importante elemento social.
Referências
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COSTA, Antonio Maurício Dias da ; GARCIA, S. M. C. . Tecnobrega: a produção da música eletrônica paraense. In: VIEIRA, L.; TOURINHO, C.; ROBATTO, L.. (Org.). Trânsito entre Fronteiras na Música. 1ed. Belém: PPGARTES / UFPA, 2013, v. , p. 257-296.
MOTTA, Luiz Gonzaga. Análise crítica da narrativa. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2013.
MOTA, Célia Ladeira. A narrativa semiótica da imagem. In MOTTA, Luiz Gonzaga; MOTA, Célia Ladeira. CUNHA, Maria Jandyra. Narrativas Midiáticas. Florianópolis: Insular, 2012.
SGORLA, Fabiane. Discutindo o “processo de midiatização”. Mediação, Belo Horizonte, v. 9, n. 8, jan/jun de 2009. Disponível em http://www.fumec.br/revistas/mediacao/article/viewFile/285/282. Acesso em 29 mai 2016.
SCHMITZ, Daniela Maria. Compreendendo a midiatização da moda. In: 3º Colóquio de Moda, CIMO, de 02 a 05 de out de 2007. Anais do 3º Colóquio de Moda. CIMO, Belo Horizonte (MG). Disponível em http://www.coloquiomoda.com.br/anais/anais/3-Coloquio-de-Moda_2007/3_17.pdf. Acesso em 22 mai 2016.