Palavra-chave: Orixá Ogum, Tecnologia, Performance, Corpomídia
Keywords: XXXXXXXXXXXXXXXX
NO PRINCÍPIO
Bem vindxs ferreiros de_Ogum às três Expedições de trabalho! Nossa homenagem ao Senhor do ferro e da agricultura no ayê, grande batalhador das tormentas do mundo, o guardião dos caminhos, do nosso trilhar nesse mundo em sua materialidade. Saúdo cada um de vocês com a palavra daquele que vai adiante por nós e, desde já antecipo nossos agradecimentos (o meu em particular!) por esse aceite tão generoso pelo ofício que nos une: a arte a qual nos convoca e da qual nunca voltamos ilesos e sem culpas, porém nutridos e revigorados de/na fé. Neste ano de 2016, a celebração de meu esposo (23 de abril) nos coloca um trabalho importante e caro... nos convoca a ir pela nossa cidade e territórios de entorno, nossas moradas perenes, a trabalhar com o ferro que consolida a fixação do homem à terra, estabelecendo o trabalho humano como dádiva divina, territorializando-o. Atos que redimensionam todo o nosso existir e destino natural: de uns para os outros, num continuum de feituras entre relações e afetos agregados pelo trabalho para ELE. Cada um de nós foi recrutado! Escolhidos somos... sintamo-nos, portanto, servos humildes por isso: pelo serviço a um grande e insubstituível general. Curioso, mas não desconcertante e inexplicável, este ano o trabalho para Ogum parte de uma obra, bebendo em sua poética e encontrando, mais no fundo o seu mentor, o seu autor solitário, uma obra retraduzida germinando-nos com sua poesia plástica. Pela primeira vez (e hoje felizmente, já sei e sinto por que!) as orientações recebidas partem de uma pessoa, um artífice em sua artilharia mais pesada: aquela que brotou de suas mãos... mais adiante nos será revelado e então se tornará público o motivo de toda essa engrenagem...esperemos e confiemos. Mais adiante é bem próximo!
Acima estão as palavras introdutórias de acolhimento, alegria e encorajamento aos ferreiros que foram convocados e saudados para o trabalho do orixá pela esposa do nobre general. Xs performers foram tituladxs ferreiros pelo que estava se constituindo: um trabalho árduo, complexo porém generoso em duas direções específicas e totalmente complementares entre si: uma para dentro de cada performer, a medida que lhes imprimia uma relação criativa pessoal baseada nesse e com esse orixá; outra que se materializava nas ações individuais propostas compositoras da obra coletiva, a qual foi surgindo de acordo com as interações de pesquisa e familiaridade entre os artistas. Esse diálogo e entrega foi primordial, algo que foi se constituindo com abertura de todos nesse universo de aprendizagens e imersões das quais a tecnologia, a ciência e as relações de crença foram encontrando-se e desaguando na performance.
2. Memórias, Corporalidades e Energia ELE_trica: Inter-ações e Conexões de um Filho de Ogum nas ruas da Amazônia
Tirando aquelas noites quando eu era criança em que via na escapula da minha rede, lá no interior dela, como dentro de uma caverna, lá dentro eu via um imponente rei sentado em um trono com um cão feroz no chão e dois homens fortes, um de cada lado do rei, com suas lanças pontiagudas em punho... além desta imagem que via quando criança, outra imagem sobrenatural que tive (e até hoje não sei explicar porque ainda me ocorre) e sempre me lembro, é a de quando estive no meu primeiro estágio lá no antigo NPI (Núcleo Pedagógico da UFPA), e eu estava sozinho no laboratório de informática e a professora disse para eu ligar todos os computadores e verificar as configurações de cada um deles, eu estava fazendo isso, quando parei e fui ao banheiro. No bloco todo não havia mais ninguém além de mim, quando voltei ao laboratório o abri, entrei e fechei a porta, e ao mesmo instante em que fechei a porta, de modo inexplicável, todos os computadores desligaram ao mesmo tempo. Tomei um susto, e não acreditei no que estava vendo, fui até o quadro de força, pois afinal eu era graduando de engenharia elétrica e haveria algum motivo para acontecer esta falha elétrica. Chegando ao quadro de força verifiquei que todos os disjuntores continuavam ligados, e nenhum havia disparado, voltei até a sala acompanhando a instalação elétrica aparente que estava nos eletrodutos sobre a parede e não achei outro disjuntor (inclusive no outro dia me certifiquei com todos se havia outro quadro de energia, ou disjuntores para aquele bloco ou especificamente para o laboratório e pcs e realmente não havia). Voltei ao laboratório de origem muito pensativo sobre o ocorrido que era muito estranho, fiquei pensando em ligar todos os computadores novamente, mas desisti, mexi nos cabos, fui de novo fora da sala abri novamente o quadro de força, verifiquei novamente e estava tudo ok. Foi quando desta vez retornei para a sala, já quase que conformado em ligar todos os pcs, abri a porta do laboratório, entrei e quando a fechei repentinamente todos os computadores ligaram, ao mesmo tempo, sozinhos e foi então que fiquei loka!!! Bati na parede para ver se algum impacto de bater a porta causava algum mau contato nos fios abri e fechei a porta varias vezes e os computadores continuaram ligados. Até hoje não sei explicar o fato, mas sei dizer pra vocês que Ogum, e toda essa energia emanada da tecnologia sempre estiveram muito próximos a mim, de forma que às vezes acontecem coisas como essas, inesperadas, ao acaso se desligam e ligam vários pc’s de um laboratório. Estou contando essa história porque hoje mesmo na rua, em uma ação com o Estúdio Reator, em que eu estava, os equipamentos em determinado momento não quiseram mais ligar, e foi justamente depois de eu falar: “graças a deus que ta dando tudo certo hoje!”. Que grande furada a minha, fui provocar todas as energias da rua agradecendo antes de terminar o trabalho e, justamente no dia em que os da rua pegaram o microfone e tiveram voz. Começo a perceber e sentir que devo ser mais sensível e respeitar mais essa energia que nos envolve, e ela especificamente neste trabalho do Reator está destinada ao ferro, às estações de trem, à tecnologia, e independente de fazermos referência ou não, o deus que nos rege neste momento é Ogum, o deus do trabalho, do sacrifício e da abertura de portas. Nkossi, Ogum, está muito próximo de meu corpo e os equipamentos eletrônicos estabelecem uma estreita relação afetuosa conturbada por altos e baixos.
Outro importante exemplo de percepção e reflexão ocorreu na performance em que nós fizemos na abertura da exposição do Maurício Franco, na Galeria do Carmo, na cidade de Belém-PA no ano de 2015, quando eu cheguei ali com projetor, notebook, extensão e tudo mais e senti que faltava algo, e o projetor não ligava, e não queria passar as imagens pelo cabo, e dava tudo errado. Foi quando minha mãe me chamou a atenção e foi então que respirei, respirei e pedi perdão, pedi licença, pedi abertura de caminhos, então abri os olhos e comecei tudo de novo, aí tudo ligou perfeitamente, e nada deu problema e a ação foi linda desde a lavagem dos pés até o último suspiro de um Exu apaixonado. E quantas sensações e percepções naquele dia! Vale outro artigo. A performance exige a percepção energética espaço-tempo, a relação do corpo do artista com as energias correntes, as interações conectivas aos objetos e materiais que operam numa dimensão que não alcançamos em entendimento, mas que são completamente necessárias ao estabelecimento do conjunto da ação que realizamos para ELE (ou para ELES nas linhas de força conhecidas como falanges ou qualidades energéticas comandadas por entidades ligadas ao Orixá Ogum); isso, para sermos mais sensíveis à rua e seus pedidos diários enquanto seguimos no nosso cotidiano.
Agradecemos a todos os Nkisis, Orixás, energias emanadas e divindades que nos ajudam a compor poeticamente cenas do cotidiano e transformá-las em ritual/celebração transitório, sem a ajuda de todos não estaríamos vivos e arte é vida manifesta força materializada.
2. A obra “TRABALHO PARA OGUM, FERREIROS EM EXPEDIÇÃO” – Manual de IN-strução
Sabemos muito pouco acerca de Ogum. Tudo o que nos chega vem por uma literatura rasa que nunca alcançará a essência de sua natureza tão poderosa e magnânima. A oralidade de nossos pais e mães de santo, a tradição oral embebida de sabedoria é sempre mais profunda e nisso devemos apoiar nosso entendimento para que estejamos mais próximos do que Ogum realmente representa para a humanidade. Essa oralidade nos dá a conhecer que Ogum ou Ogulê (em iorubá: Ògún) é amplamente conhecido nas culturas tradicionais de matriz africana como o orixá ferreiro, senhor do ferro, da guerra, da agricultura e da tecnologia. Muitas histórias sobre ELE dão conta que o próprio Ogum forjava suas ferramentas, tanto para a caça, como para a agricultura e para os combates que travava. Vem daí a sua inclinação para o novo, para o estabelecimento e fixação do homem à terra, dando-nos os encaminhamentos necessários à melhoria da vida social e do progresso pessoal e coletivo. E assim nos intitulamos primeiramente: filhos amados por Ogum e protegidos por sua espada de luz e força.
Eis o legado mais precioso de onde esse projeto parte para celebrar tal divindade: a oportunidade de cultuá-lo em nós, em nossos corpos, em nossas ferramentas de trabalho, nossos ofícios cotidianos de contato profissional e artístico com o mundo! Matérias de ferro ou metal, câmeras, instrumentos musicais, foice, solda, instrumentais e maquinários de toda ordem; sons de todos os lugares; nossas vozes, corpos vitais vibrando ao compasso dos metais, recebendo e distribuindo energia dELE como cavalos domesticados que somos por seu cuidado amoroso com cada um de nós.
A ciência e os saberes humanos irmanados co-ahabitando as correntes tecnológicas no espaço em tempo passado, presente e futuro, alcançando o plano astral num ciclo que se retroalimenta e refaz diariamente, sem paradas. Vidas a serviço do trabalho da arte, para que Ogum, o cavaleiro valente, seja assentado no mundo físico por cada um de nós do mesmo modo com que é, em diferentes credos religiosos, re-conhecido no mundo espiritual por seus fundamentos e benefícios trazidos ao mundo.
O trabalho bebeu, a princípio, da obra “Ferramentas” (2015), do artista Jean Ribeiro (como poética elementar do projeto inicial) e foi ‘re/con-cebido’ como pesquisa do grupo destinado a ser uma ação distribuída em três atos performativos ( a escolha dos trabalhos deriva da relação do odu 3, etá ogundá odu sob a regência de Ogum). Denominados expedições de trabalho, os trabalhos artísticos ou ofícios ocorreram em três cidades: Ananindeua, Belém e Icoaraci/PA entre os meses de março e abril de 2016. O projeto homenageia o orixá Ogum em sua qualidade desbravadora, integradora de caminhos e jornadas pelo ayê a fim de estabelecer os seres nos diferentes tempos e espaços históricos, todos entendidos como sagrados na relação ‘vida que surge, acende, se move e orienta pela energia do Orixá dos caminhos em permanente caminhada.
Diego Vattos (músico), Lenardo Oliveira (sonoplasta), Jean Ribeiro (artista plástico), Pedro Olaia (performer), Rosilene Cordeiro (performer) e Uirandê Gomes (fotógrafo), artistas integrantes dessa ação possuem uma relação com o Orixá Ogum, seja pela aproximação religiosa, de culto e fundamento, seja pelas atividades artísticas que desenvolvem com o mesmo, este orixá os atravessa ou atravessou em algum momento específico da vida e da carreira profissional.
A ideia de trabalhar com a poética da expedição vem do fato deste trabalho ser uma oferenda, de o entendermos como ato ou efeito de expedir, de enviar, de fazer com que algo chegue a seu destino. Fato de ser sempre algo a descobrir, por estarmos em busca de melhor nos encontrar com Ogum e nos aproximar de nós mesmos em cada ação a/re-presentada. De estarmos despachando, numa remessa amorosa endereçada a Ogum.
Não procuramos tratar uma qualidade específica de Ogum, tampouco nos interessou violar, muito menos deturpar quaisquer código de respeito à conduta religiosa ante às manifestações ritualísticas de culto ou fundamento voltadas a esse deus orixá. Não! Trata-se de uma pesquisa minuciosa e equilibrada, respeitando as inclinações religiosas de todos os envolvidos na tarefa. Fomos bastante cautelosos, o saudamos e reverenciamos em todas as fases da pesquisa com o devido respeito que ELE merece de nós. E o processo vivido (ao que alguns chamam resultado) foi confirmado como ‘obrigação aceita’ pelo orixá, Senhor da minha vida, meu esposo amoroso e defensor, guia consagrado do meu ori. E agora somos todos beneficiados. Nosso sentimento é de gratidão, eterna gratidão!
Em TRABALHO PARA OGUM, FERREIROS EM EXPEDIÇÃO, nos apresentamos como artistas por devoção, filhos de Ogum por voc_AÇÃO, reunindo nossos credos pessoais às manifestações culturais e religiosas da nossa região, saudando o PAI nos seus filhos, nas casas, ilês e terreiros que o cultuam, entronizando Ogum no mundo como Senhor dos caminhos, Rei da Modernidade, batalhador das guerras deste e de todos os tempos por cada um e cada uma de nós.
O trabalho a princípio constou de encontros-conversas para definições de locais, do trabalho coletivo, encaminhamentos da pesquisa e impressões de cada atuante sobre os rumos do trabalho. Cada atuante recebeu um tecido e teve a liberdade de realizar sua própria pesquisa e atribuir materiais e elementos diversos, ligados a sua área de atuação (ou ofício profissional) e imprimi-los, depositar suas energias nos tecidos e nas instalações que sempre foram únicas e inaugurais em cada espaço em que se deu a entrega da “expedição”. Assim, tecidos grafados, riscados, rasgados, suados, alterados por cada artista viraram bandeiras, estandartes dos ferreiros e indumentárias que foram recolhidos e re-construídos durante o processo por mim, costureira, artesã, anfitriã dos nobres ferreiros trabalhadores, cuidando da energia espiritual e das necessidades individuais, canalizando para o usufruto de um trabalho benéfico de todos e para o bem de todos.
Ferreiros de Ogum, trabalhadores do Senhor do ferro em caminhos. Patakorí, Ogum! (Ògún supremo, principal Orixá de nossa cabeça). Ogum adiante, dos lados e atrás, sob a proteção e benção suprema de Oxalá. Ògún ieé!!
3. Celebração: O[ry] fícios trabalhadores!
3.1. 1ª Expedição de Trabalho: Município de Ananindeua (Praça da Bíblia)
Era pra eu ter perguntado: Alguém quer tocar? ... Ofereci para algumas poucas pessoas à minha direita para tocarem, mas eu deveria ter interagido mais nesse contexto, senti essa falta. senti que havia um pouco de violência no trabalho e isso talvez fosse o que encantava o publico e ao mesmo tempo o afastava de mim, a uma certa distancia as pessoas ficavam meio que com medo de tocar nos instrumentos, que eram objetos de ferro e outros metais... E apesar da força e da aparente violencia tudo foi muito leve e estreito ao universo mágico dos seres das encantarias, dos povos das ruas, dos deuses e dos homens. Muito obrigadx meu bom Jah, por ter me protegido, guardado e salvado de todo mal perigo, pois tu és meu refúgio, fortaleza e segurança. És tu luz que me leva no caminho certo, me guia, me ilumina e me inspira. Muito obrigadx Mamãe Oxum, por ter me aceitado em teus rios, por ter me concebido na profundeza das águas, por ter me amado desde sempre. Muito obrigadx pai Oxossi por me guiar nessa mata de pedra. Muito obrigadx irmão Exu, meu Orixá respeitado, amado, que me inspira e me guia. Muito obrigadx a todos os deuses e seres que me permitem fazer estes trabalhos tão próximos do sobrenatural e ao mesmo tempo tão reais. Quando senti o vapor do metal pulverizar meu rosto, um fino frio na espinha correu rápido, eu estava sentado em posição de meditação enquanto pedia paz para meu ser e para todos em uma tentativa breve de meditação e silêncio após muito ressoar os metais. Era preciso relaxar o corpo a ação e o momento que me parecia sufocante e agressivo, mas também ao mesmo tempo estar atento. Calei os instrumentos e fechei os olhos por um instante, e neste momento chutou-se um objeto de metal em direção ao meu rosto, porém a compaixão dos deuses livrou-me da fúria em milimétricos milisegundos. E foi aí neste instante que entendi muita coisa, e percebi visivelmente o sobrenatural se misturar com a arte a vida e meu cotidiano. Ogum Xoroquê é o Orixá mais próximo de uma personalidade entre pai Exu e pai Ogum, ele veio das montanhas de onde sai a lava vulcânica, tempestuoso, de natureza explosiva, forte guerreiro, que trabalha com o ferro. O que forja a ferro e fogo. Em uma performance feira anteriormente relaciono a natureza de Exu com Jesus por eles dois serem nas duas culturas, africana e judaico-cristã os seres que fazem a comunicação entre o grande deus pai e o homem; são eles que são donos do caminho, da luz e nos guiam. Quando ELA me convida para fazer uma performance para Ogum, penso logo na relação entre Ogum e Exu e me vem Ogum Xoroquê, e daí pensei nas diferentes possibilidades de Oguns Xoroquês e suas personificações no mundo atual. E quantas possibilidades de Oguns nós temos? Se pararmos pra pensar todos temos muito e pouco de pai Ogum em nossa natureza. Ogum é trabalho em metal, é o avanço tecnológico da mudança de se usar utensilios, ferramentas e armas de osso, madeira e barro para a possibilidade de forjar o ferro, desenvolvimento que na época dos nossos acentrais africanos que já cultuavam este Orixá representava uma diferença drástica em seu cotidiano, um dos maiores avanços tecnológicos da época: a possibilidade de moldar ferramentas de metal através do fogo. E hoje vemos este avanço tecnológico em todos os cantos, somos tecnologia em corpos ciborgues. E por isso levei meu tecido, estendi ao chão e ofereci à rua moedas e componentes eletrônicos e correntes de ferro e outros metais. Somos todxs Ogum, do analista de sistemas à loira oxigenada que fez uma cirurgia para aumentar os peitos, dos óculos de correção visual aos anabolizantes, remédios e outros fármacos industrializados, dos smartphones à vacina contra a gripe. Aí se põe em cheque quem não se aproxima deste grande orixá que domina toda esta tecnologia que nos serve no cotidiano. Somos todxs Ogum. A personagem, de óculos 3D, primeiramente anda pelo espaço, e depois arma sua tenda ao chão, com objetos metálicos que compõem um ritual ao mesmo tempo que emite sons ao arrastar as correntes, ao batucar as placas metalicas, ao amolar e tocar a faca no esmeril como instrumento musical em homengem ao grande deus do ferro e da tecnologia. O som ecoa pela praça da Bíblia e Ogum é exaltado em sons de metal oferendas de suor mãos voz. Ogunhê!
3.2. Trabalho a convite: OFÍCIO GALERIA TEODORO BRAGA – ABRIL DE 2016
Estivemos, a convite da organização do evento, participando da abertura artística integrando ações artísticas afirmativas de práticas culturais de terreiro na EXPOSIÇÃO “NÓS DE ARUANDA” 2016.
Nosso ofício ali, foi igualmente celebrar ao deus Ogum que tudo nos deu, nos mostrou como fazer um portão forte de ferro e como arrebentá-lo que nem graveto com as mãos. Nosso pai Ogum que é força, sabedoria, conhecimento e livramento, exaltação e louvores metálicos digitados à velocidade da luz: suspiros suados ecoam na panela cheia de bolas de ferro, silencio, o tilintar de moedas sussurra uma prece. Celebramos juntos à energia de Nkossi e a sinfonia – feita das traquitanas e objetos metálicos que levamos, somado à estrutura de metal com ferramentas do nosso pai penduradas e os efeitos sonoros criados eletronicamente – elevou a galeria a um estado de extase em que todos participaram tocando e cantando e dançando o avanço tecnológico, a força, o trabalho, a abertura de caminhos, as conclusões e certezas.
A exposição Nós de Aruanda é uma ação de r-existencia artístico-política, na cidade de Belém, capaz de conglomerar artistas que pesquisam as tradições de matriz africana juntamente com povos de terreiros distintos e suas produções artísticas em um espaço físico que frequentemente é ocupado pela arte de branco e é denominado como Galeria de Arte. Não me senti muito à vontade na Galeria Theodoro Braga, pois ainda acho que o espaço não dialoga com a minha sobrevivência artístico-poética chamada de performance pela academia, porém acho extremamente necessário sempre fazermos ações afirmativas de valorização da cultura afro-amazônica nestes espaços de poder esteticamente padronizados. Logo que cheguei à galeria fui informada de que não poderíamos abrir a porta e ir pra rua, não poderíamos fazer muito barulho, não poderíamos demorar muito tempo na ação, não poderíamos, não poderíamos.
Não me surpreendi muito com tantas exigências, pois afinal logo acima de nossas cabeças, nos andares superiores do prédio que abriga a galeria está toda a máquina pública administrativa e seu poder imponente e determinístico na cultura do estado e definições do que se é arte e cultura na região e quais serão os grandes premiados do ano. Respirei fundo e repensei nas diferentes possibilidades de dar forma e cor aquela galeria quadrada e branca usando o material destinado ao trabalho para Nkossi apesar de tolir algumas possíveis revoadas que vislumbrava em sonhos. No final, graças ao bom Jah, as concentrações energéticas vibrantes tão temidas pelas questões burocráticas expandiram-se tanto que os tons furtacor das batidas em uma maré de ânima inundaram o local e derramaram-se pelas calçadas em direção à rua. E novamente reafirmamos a identidade de Ogum cingida em nossas peles.
3.3. Segunda Expedição de Trabalho: Município de Belém: Feira do Açaí
“ELE é o cavaleiro que domina da sétima onda do mar.
Filho amado de nossa Mãe Iemanjá!”
(Ponto cantado a Ogum. domínio público)
Ogum Beira-Mar é brando água água onda é força calefação som doce do ferro vermelho em brasa mergulhado num balde de gelo água mole em pedra dura é maresia é tempestade onda forte das embarcações de ferro é lua caminho sobre águas. A bicicleta caminha atrelada ao meu corpo e especificamente a Bilu, uma bike originalmente feita para transportar botijões de água e gás atualmente é usada em ações performáticas na rua. Moro próximo ao bosque e na primeira expedição fui e voltei pedalando até a praça da bíblia em Ananindeua com um propósito de dedicar meu suor e esforço ao senhor do trabalho e da guerra. Nesta segunda expedição entrei montada em minha égua alada azul cavalgando pelo trilho do bondinho que ainda tem em suas marcas os blocos de pedra das ruas/calçadas da Feira do Açaí e de um espaço-tempo antigo. No dia da ação saí de casa já com tampas de panela, correntes e ferramentas penduradas na Bilu e pedalei pelas ruas até à feira, e a cada galope o balançar e tocar dos objetos metálicos anunciava em sinos campainhados a chegada de São Jorge guerreiro montado em seu cavalo cavalgando sobre a maré. Na feira um senhor com o coração muito bom e espirituoso conversou conosco e nos deu conselhos, logo depois todos chegaram, mas antes de todos nós a bike-som providencial já estava lá, tocou-se a música preferida, o microfone foi aberto para uma oração e a louvação deu-se em cânticos, exultações e euforias da égua azul esvoaçante que a cada trote ecoava relinchos metalizados re-descobrindo possíveis sons metal metal e movimentos cadenciados e torpes num bailado singelo corpo-ferro-metal: era Ogum Beira-Mar montado em seu cavalo.
Oração de Ogum Xoroquê
Pai que minhas palavras e pensamentos cheguem até Vós em forma de prece e que sejam ouvidas. Que esta prece corra todo o universo e que chegue até aos necessitados em forma de conforto para as suas dores. Que corra os quatro canto da Terra e chegue aos ouvidos dos meus inimigos em forma de brado ou advertência de um filho de Ogum Xoroquê que sou e nada temo, pois eu sei que a covardia não muda o destino.
Ogum, padroeiro dos agricultores e lavradores, fazei com que minhas ações sejam férteis como o trigo que cresce e alimenta a humanidade para que todos saibam que sou teu filho(a). Ogum, Senhor das estradas, fazei de mim um verdadeiro andarilho e que eu seja sempre um fiel escudeiro do teu exército e que nas minhas caminhadas só hajam vitórias. E, mesmo quando aparentemente derrotadx, eu seja vitoriosx, pois nós xs Vossxs filhos não conhecemos a derrota, porque sendo o Senhor o Deus da guerra, nós, Vossos filhos só conhecemos a luta, como esta que travo agora, embora sabendo que é só o começo, mas tendo o Senhor como meu Pai, minha vitória será mais do que certa. Ogum, meu grande Pai e protetor, fazei com que meu dia de amanhã seja tão bom como o de hoje. Que minhas estradas sejam sempre abertas. Que no meu jardim só hajam flores e que meus pensamentos sejam sempre bons, e que aqueles que me procuram sempre consigam o remédio para seus males. Ogum, vencedor de demandas, que todos que cruzarem minha estrada, que o façam com o propósito de engrandecer mais ainda a ordem dos cavaleiros de Ogum.
3.4. Terceira Expedição de Trabalho: Distrito de Icoaraci : COART
Mandei fazer meu terreiro na beirinha do mar,
mandei fazer meu terreiro só pra te encantar
Chama Verequete, Oh! Verê
Chama Verequete, Oh! Verê
Oi chama Verequete, Oh! Verê
Chama Verequete, Oh! Verê
Ogum Balailê, pelejar, pelejar
Ogum, Ogum, tatára com Deus
Guerreiro Ogum tatára com Deus
Papai Ogum, tatára com Deus
Ogum, Ogum.
Quando o carimbó invocou Verequete e Pai Ogum, senti meu corpo estremecer e neste momento não era mais eu, não era mais ninguém, a fumaça do divino neblinava a chuva fina e tudo se misturava: asfaltocorposgramacachaçatamboresfaróisdecarros. Iniciamos o trabalho na Praça do Triângulo em Icoaraci com o propósito de irmos andando até a COART, antiga estação do trem.
A bicicleta que estava presente nos outros trabalhos, neste dia não estava, e resolvi esteticamente amarrar os objetos de metal no meu próprio corpo e seguir na rua com eles pendurados e arrastando-os como parte desse mesmo universo sonoro que me conduzia. Iniciou-se um carimbó gostoso, tocado por artistas icoaracienses convidados, e enquanto amarrava os objetos no corpo, e dançava, e cantava, todos se arrumavam e eu via nitidamente uma noiva toda de azul se preparando para um casamento[1]. Pedi licença pra rua, e fui nos três cantos da praça saudar Exu, e ao terminar ao mesmo tempo iniciou-se uma chuva fina que logo depois virou uma chuva forte, e continuamos o trabalho andando até a COARTE, em uma cerimônia matrimonial. Chegando lá novamente iniciou-se o carimbó, e a chuva afinou um pouco mais, mas não passou. Ganhei meia garrafa de cachaça, o vendedor do bar da esquina “Canal 19” com muito respeito me olhava surpreso com tudo o que via, eu sentia que meu corpo não estava totalmente lá, que os sentimentos e sensações tidas com a minha identidade não estavam e algo mais forte que eu me mantinha em pé andando e cantando. Pedi por justiça, naquela encruza pedi por justiça, pra Ogum ir ao encontro destes milicianos e guerrear a favor de nós pretos, a favor da periferia que é dizimada todas as noites e dias, pedi com toda a força do meu coração que toda a força contrária e opressora seja dizimada, esteja debaixo de nossos pés e que toda a força e poder e glória e honra devem ser dados e louvados ao nosso Pai Ogum, deus todo poderoso que peleja e sempre vence nas batalhas. Guerreia por nós, destrói nossos inimigos, destrói esta milícia, afasta toda esta perversão corrupta que cega os olhos desta polícia, caia por terra todo o domínio opressor do povo branco sobre o povo preto!
Findas as ações designadas expedições, dobro meus joelhos, assento meu ori na terra firme, bato cabeça pra Ogum esposo e nosso Ferreiro Comandante e o saúdo três vezes! Ajoelho-me porque assim me reconheço: ser pequeno, frágil, insignificante mulher, criada em casebre, feiticeira de percepções aguçadas em quintal... erveira, curandeira e aprendiz por vocação. Ai de mim sem Ogum! Ai de minha natureza medíocre e ignorante se um dia não tivesse contemplado a face radiante e benevolente deste orixá que se apoderou do meu coração e tomou sobre si minha vida sem sentido e vazia! Dobro meus joelhos em reconhecimento e respeito, meu ori de dobra em adoração e deito meu corpo inteiro nesse ayê em que me fiz filha, mãe, avó, artista e pessoa do santo. Pessoa a quem Ogum veio buscar por meio da arte para que por ela muitos possam encontrá-lo e amá-lo como hoje o amo e venero no meu trabalho no mundo!
4. DAS FALAS QUE SE FUNDEM A FERRO E FOGO
De Ogum tenho recebido inúmeras graças e para ELE volto esse agradecimento… e recebo em troca esse incenso suave o alívio das minhas dores e fardos (hoje carregados por ELE) e a certeza de que tendo ELE adiante, nos lados, acima e atrás. A quem temerei? Sendo ELE meu escudo e proteção segura como recuar das lutas do mundo? ELE é Senhor e rei do meu ori. Como parar de me entregar ao mundo? E que a arte nos proporcione novos e significantes encontros, que nos enlace e nos conduza a uma nova humanidade e que descubramos o verdadeiro sentido da irmandade dos seres, humanos, feéricos, elementares, no plano terreno, espiritual e astral e que consigamos encontrar nosso verdadeiro lugar nesse mundo terreno e passageiro, para a honra e glória de Oxalá, o qual nos cobre com seu manto de luz e nos aponta o que ainda há em nós por sentir, viver, descobrir, aprender, SER.
Somos corpo uno, juntxs formadxs da mesma matéria e compomos o universo da mesma forma que os animais, plantas e minerais não tendo distinção em nenhum de nós sendo todxs apenas um, e por isso nós autores insistimos na construção ousada deste artigo através de um texto que tenha os nossos relatos como se estivessem fundidos em apenas um canto uníssono, então quando falamos “eu” estamos querendo dizer que somos “nós” e quando falamos “nós” queremos dizer que somos a rede de afetos estabelecida nas fortes correntes de nosso pai. Salve Ogum!
Tem coisas que são in-explicáveis
REFERÊNCIAS E LINKS DE REGISTROS DAS AÇÕES
https://youtu.be/9m9BTUPStZA
https://youtu.be/CX1ZM40wa1s
http://rosileneporsimesma.blogspot.com.br/2016/04/ferreiros-de-ogum-em-expedicao-de.html
http://rosileneporsimesma.blogspot.com.br/2016/03/trabalho-para-ogum-ferreiros-em.html
http://rosileneporsimesma.blogspot.com.br/2016/03/trabalho-para-ogum-ferreiros-em.html
https://www.facebook.com/enelisorcordeiro/media_set?set=a.1029828927054976.100000042886634&type=3
Entrevista a Web TV Azuelar sobre o trabalho https://www.youtube.com/watch?v=pz1Mk8JIEfY
https://www.facebook.com/mensagensdeumbanda/posts/579080528778074 (Oração a ogum Xoroquê, 16/02/2013)
[1] A noiva de azul citada, trata-se de uma performance comungante apresentada no interior da expedição pelo ator e professor Denis Bezerra intitulada “As noivas de Ogum” brindando o trabalho dos Ferreiros em homenagem a sua irmã de terreiro e amiga de muitas cenas artísticas, Rosilene Cordeiro, que casou-se ritualisticamente com este orixá, seu ‘guia de cabeça’, na Rua Siqueira Mendes, no Distrito de Icoaraci, no dia 31 de dezembro de 2013. Uma cerimônia representada pelas poéticas de Umbanda e retraduzida pelo artista no itinerário praça-COART cortejando o orixá e sua esposa em seu corpo atuante, referendado pelas mulheres que habitam sua memória pessoal e criativa. Um trabalho, segundo o ator