Palavra-chave: Memória; Família; Fotografia.
Keywords: Memory, Family, Photography
Confluências
A palavra “confluência” diz muito sobre o processo que originou este artigo. Além do trabalho conjunto de pesquisa, o vocábulo remete às coisas que fluem rumo a uma direção apenas – ainda que surgidas de pontos diversos – tal como os primeiros traços que comporiam o tema deste trabalho. A princípio dispersos, estes traços emergiram durante uma entrevista para uma pesquisa sobre a confecção artesanal do chapéu da maruja em Bragança-PA. Na residência Aspásia – nome da matriarca da família Borges – a imagem se impõe, absoluta, em paredes repletas de quadros, pôsteres, calendários, terços e flâmulas de futebol, além de móveis cujo topo é ocupado por esculturas sacras e bonecas que vestem roupas feitas à mão. Tecidos coloridos, alfinetes, fitas e outros itens de costura coexistem e despertam o interesse de visitantes que podem, atônitos, perguntar: qual o fio invisível que alinhava tantos elementos imagéticos aparentemente desconexos?
Este fio é a memória. Kátia e Elizabeth Borges, irmãs e artesãs, oferecem narrativas fluidas sobre ritos religiosos e profanos da Bragança de outros tempos. Elizabeth se mostra confortável como narradora, sempre atenta a detalhes, enquanto Kátia, mais tímida, costuma ouvir mais do que falar. Vez ou outra elabora observações sobre fatos que a irmã esquecera de mencionar, e que a partir de então são prontamente acessados pela primeira. Elas compartilham memórias tal como percebido por Halbwachs (2006) quando afirma que a evocação da lembrança de outrem confere legitimidade e confiança à própria reminiscência como sendo fidedigna aos fatos. Há na fala de ambas uma simbiose que resulta das experiências partilhadas.
Tais experiências perpassam diversas manifestações culturais e eventos históricos da cidade de Bragança. Da estação ferroviária ao clube esportivo Time Negra, da Marujada de São Benedito aos blocos de Carnaval de rua, das novenas em latim em honra a São Miguel Arcanjo à preparação de cavalos para o Círio de Nazaré, cada tema desperta nelas lembranças de infância que, juntas, se esforçam generosamente para expressar em histórias, gestos... E fotografias.
O ângulo pelo qual elas testemunharam e participaram de tais eventos é tão privilegiado quanto surpreendente: o do artesanato. A costura de roupas de maruja, das fantasias carnavalescas e das bolas de futebol, a confecção de lanças para as cavalhadas e de instrumentos musicais revelam o saber artesanal como articulador de relações, associado a outro fator que enriquece os testemunhos: a localização da residência Aspásia – edificação centenária localizada em frente ao que restou da estação ferroviária de Bragança, hoje uma área aberta revestida apenas por concreto –, onde cresceram, vivem e trabalham.
As memórias de infância de Kátia e Elizabeth Borges estão situadas no período posterior à desativação da linha férrea, ocorrida em 1966 (NONATO DA SILVA (2006), porém anterior à demolição da edificação pública. Abandonada à época, a estação era cenário de brincadeiras, mas também fonte de receio para os pais:
A mamãe contava que quando o trem passava as paredes tremiam tudo. As paredes eram tudo rachadas... Devido à trepidação, né? O trem passava aqui em frente. A rua não era cimento nem nada, era aquelas pedrinhas, né? Nem sei como é que davam o nome daqueles blocozinhos. Assim era a rua todinha. Com tipo uns taquinhos. Depois eles tavam caindo, e a gente brincava era de bole-bole com aqueles taquinhos. Brincamo muito em volta da estação, tão grandona. Da estação a gente ainda tem lembrança. A gente viu o prédio aí, né? A gente ainda brincou lá na frente. Lá dentro não, porque era perigoso. Era muito escuro lá pra atrás, naquela parte onde entrava o trem. Pra lá só os adulto que iam, criança não passava pra banda de lá. Ficavam sempre aquelas pessoas que não tinham casa e então dormiam lá. (Elizabeth Borges)
Além da estação ferroviária e da residência Aspásia, o igarapé que corre ao lado do Complexo Poliesportivo Dom Eliseu Maria Corolli representa aquilo que Halbwachs (2006) chama de “imagens espaciais” (p.133), constituídas pelo patrimônio edificado ou arquitetônico e pelas diversas paisagens da cidade. Presentes, cumprem a função de mantenedores da memória. Ausentes, representam a perda de uma referência traduzida em nostalgia, assim exemplificada pelo autor:
Um outro habitante, para quem esses velhos muros, essas casas decrépitas, essas passagens escuras e essas ruas sem saída, faziam parte de seu pequeno universo, e cujas lembranças se ligam a essas imagens, agora apagadas para sempre, sente que toda uma parte de si mesmo está morta com essas coisas e lamenta que elas não tenham durado, pelo menos tanto tempo quanto lhe resta para viver. (HALBWACHS, 2006, p.137)
As linhas da estação demolida são traçadas novamente através das mãos que apontam um espaço desmaterializado pelo tempo. Os depoimentos cinestésicos buscam dar ao interlocutor a dimensão da ausência, compartilhando um quadro pictórico imaginado pelo narrador, de modo a tentar acessar aquilo que se perdeu: “Aqui tinha uma pracinha”, “A estação era ali”, “O trem passava aqui”. Os gestos e os verbos no passado evidenciam a cidade reconfigurada por outras necessidades e interesses.
As memórias que habitam o espaço transmutado e o tempo marcado pelos ritos cíclicos ditos “religiosos” e “profanos”, pelas procissões e carnavais, são reavivadas por um álbum de fotografias amarelado pela ação dos anos. As palavras das irmãs descortinam um microcosmo que serve à análise da fotografia como suporte narrativo ou, em última instância, mnemônico, aberto a outras realidades além das lembranças familiares. Ou que, em outras palavras, evidencia a memória individual permeada pela memória coletiva.
São a estas permeabilidades que chamamos confluências da fotografia à luz da memória, um quase pleonasmo etimológico, uma vez que “foto”, como substantivo abreviado ou prefixo, significa luz. A fotografia é aqui entendida não apenas como produto físico da luz, mas como produtora de uma luz simbólica que permite adentrar e questionar os obscuros meandros da memória.
De outras procissões, de outros carnavais
A casa onde Kátia e Elizabeth vivem com outra irmã, Cristina, e uma sobrinha, suscita reminiscências nas quais os pais, Aspásia Borges e João da Rosa, são personagens centrais. Era ali que Dona Aspásia, falecida em 2015, costurava e ministrava seu curso de corte e costura para jovens da cidade. O curso, que ensinava do talhe de peças por moldes aos acabamentos de bordado em cetim, gozava de prestígio na cidade. As cerimônias de formatura, realizadas na própria residência, contavam com a presença do prefeito e de outras autoridades locais.
A casa era também o espaço onde seu João da Rosa, falecido em 1999, confeccionava chapéus de marujos e marujas, solas de chuteira, redes de pesca, instrumentos musicais e outros objetos. Artesão autodidata, “ele aprendeu a fazer tudo sozinho, só de olhar”, nas palavras de Kátia. “Ele consertava sombrinha, costurava bola, ajeitava sapato. Tudo ele tinha aquele cuidado. ”
As atividades familiares, das quais as crianças podiam participar com algumas restrições, eram determinadas pelo calendário festivo, a exemplo do que conta Elizabeth sobre o Círio de Nazaré:
Nessa época de Círio ele cuidava também de fazer aquelas lanças, não sei se tu lembra, que saíam aqueles cavaleiros com aquelas lanças. Aqueles cavaleiros que acompanham o Círio. Porque o meu avô que era responsável por isso. Toda época de Círio de Nazaré aqui ele fazia isso. Aí vinha do interior aquele bocado de gente! Ele morava ali perto do Santa Teresinha. Aí chegavam uns dois dias antes e deixavam os animais. Aquela quadra de esporte não existia ainda, era só um mato mesmo ali. Aí tinha aquelas cercas, eles amarravam os animais tudinho ali. E lá embaixo, na mesma direção, aí tinha um rio. Que agora por sinal acho que já nem tem nada, tá tudo seco pra lá. Aí eles banhavam os animas, vovô cuidava, passava aqueles produtos, o cabelo ficava bem brilhosinho. Não sei o que era que ele passava. Tinha uns que tinham aquela crina bonita, eles faziam aquelas tranças. Menina, ele enfeitava o animal todinho pro dia do Círio! Aí na hora os donos só pegavam o animal, pegavam a lança e iam acompanhar o Círio.
A fala de Elizabeth compara os tempos do espaço. No passado o tempo “tinha”, possuía lugares. “Tinha aquelas cercas”, “tinha um rio” e agora, despossuído de seus cenários, “já não tem nada” apenas “está”: seco, ausente, distante. O contraste é percebido quando a narrativa se desloca no tempo, em direção ao passado. Há movimento em torno das festividades. A ansiedade infantil é resumida por Elizabeth em apenas uma frase, dita em tom de bom humor: “a gente gostava de ficar por lá aquela arrumação.” Elas envernizavam as lanças e, em seguida, lavavam, passavam e amarravam os pedaços de tecido que lhes serviam de adereço, porém não participavam da devolução dos cavalos a seus donos ou da entrega das lanças aos cavaleiros, por precaução do pai e do avô, Hilário, que separavam os animais “mais agoniados” para que não avançassem sobre elas.
Sobre as memórias de infância, Halbwachs (2006, p. 39) afirma que “(...) é no quadro da família que a imagem se situa, porque desde o início ela estava ali inserida e dela jamais saiu”. As rupturas provocadas pelas perdas de membros da família são tornadas mais leves pelas narrativas. Elizabeth e Kátia evocam os nomes dos pais e do avô em lembranças quase sempre perpassadas pelo ofício artesanal. Os objetos também são mencionados conforme os ritos cíclicos nos quais eram eram produzidos e utilizados. Muitas vezes, os ritos se entrelaçam em uma mesma frase, a exemplo da explicação da origem das penas de pato que enfeitam o chapéu da maruja[1].
Quando a mamãe comprava pato pro Círio e caía pena, ela juntava. E às vezes tirava pena do pato vivo, do papo, do peito, aquelas mais bonitas, mais redondinhas. A parte do papo a pena já é enrolada, no jeito pra fazer a rosinha do chapéu... Ela tirava e guardava.
Em novembro, mês em que ocorre o Círio de Nazaré em Bragança, da ave adquirida para o preparo do prato típico da época, o pato no tucupi, eram aproveitadas as penas para a confecção do turbante que ocupa o topo do chapéu da maruja para a festividade de São Benedito que ocorreria pouco depois, em dezembro. Sobre esta última, são muitas as histórias. Ambas são marujas desde a infância e demonstram forte envolvimento afetivo com a fé beneditina. Elizabeth relembra:
A gente é maruja desde de colo. Mamãe fez promessa, intercessão pela saúde. Ela prometeu que, enquanto vida ela tivesse, eu seria maruja. Agora ela já foi, papai do céu precisou, mas eu continuei. É só uma vez no ano, não custa, né? Quando eu escuto de longe o tambor, eu sei que é ele, São Benedito, que vem. Me dá uma agonia, um nervoso! Quando a mamãe era viva, tinha almoço aqui todo ano em abril, quando ele saía pra esmolação. Ela que era promesseira. Mas não era maruja. Era ela que fazia a nossa roupa e o papai fazia o chapéu. O nosso primeiro era de papelão, mas não tinha quem dissesse! Ele fechou nosso chapéu todo por cima, bem grudadinho, porque eu tinha pavor de foguete.
O cuidado familiar, como costuma ocorrer em narrativas sobre a infância, é um tema recorrente, percebido na delimitação de espaços pela proibição dos pais, no desconhecimento do interior obscuro da estação ferroviária abandonada, nos chapéus de maruja reforçados para que eventuais resquícios dos fogos na procissão de São Benedito não as atingissem ou na distância segura a que eram mantidas durante a preparação dos cavalos para o Círio.
O cuidado se manteve como uma referência para o trabalho artesanal das irmãs. Se nas memórias de infância de ambas o pai confeccionava os chapéus enquanto a mãe costurava as roupas de maruja, hoje as irmãs também trabalham juntas. Elizabeth costura, Kátia é ágil em montar as “rosinhas”, como chama, de penas de pato para enfeitar os chapéus. Elizabeth relata que, a princípio, não se interessou pelo ofício por pura impaciência para com os detalhes, e assim permaneceu até a morte do pai, apesar dos conselhos de dona Aspásia: “Quando ele era vivo, a mamãe sempre dizia: ‘vai aprendendo com o teu pai. Quando vocês precisarem, vocês já sabem’”. O saber que não fora repassado em vida, porém, se perpetuou por meio de algo que Elizabeth atribui a uma intercessão divina:
Veio um homem aqui pedir pra eu fazer um chapéu pra uma garota pequena. Eu disse pra ele na hora que eu não sabia fazer, mas ele insistiu: ‘És tu que vai fazer, teu pai é que sempre fazia pra gente’. Eu respondi que eu não sabia, mas não adiantou. Ele deixou a encomenda aqui. Eu fiquei, olha, foi muito preocupada. Eu rezei, chorei, pedi a Deus que me ajudasse naquela hora, porque eu tinha aquele compromisso. E Ele me clareou a mente. Não sei te dizer como foi. Só sei que eu dormi e, quando eu acordei de manhã, eu já sabia fazer.
Desde então aceitam encomendas. “As pessoas vêm certinho aqui. Não tem propaganda, não tem placa, é só no boca a boca”. O trabalho artesanal se manteve, assim como a participação na marujada em dezembro e as novenas de São Miguel Arcanjo em setembro. A religiosidade, de fato, constitui um aspecto importante da vida das irmãs. Porém, além das procissões, missas e novenas, o Carnaval de outros fevereiros também mobiliza memórias. “A gente foi criada no meio do Carnaval! Tava tudo em casa”, lembra Elizabeth. Os carnavais da infância aconteceram nos quintais. Aquele era o espaço onde aconteciam os ensaios do “Bloco da Nega”. Na época, ela lembra, havia ali apenas um coqueiro e um pé de urucum, o que propiciava espaço suficiente para os ensaios. “Hoje em dia não. Tem muitas árvores. Só a gente mesmo pra andar ali”.
Foi uma iniciativa de dona Aspásia e do irmão dela, Jurandir Borges, jogador de futebol no Time Negra, que o “Bloco da Nega” – nomeado para se referir ao time – começou. O bloco contava com amigos ligados ao clube, que seguiam junto à sua alegoria principal: uma enorme boneca confeccionada a partir de paneiros de palha trançada. Durante a divisão de tarefas para a organização do bloco, coube à dona Aspásia a costura da fantasia da boneca, cuja saia contava quatorze metros de tecido. Foi assim que, em 1949, dona Aspásia se tornou a primeira rainha do Carnaval bragantino. Posteriormente, em 2009, ela receberia uma homenagem da administração municipal por seu pioneirismo.
“Minha sobrinha um dia desse tava fazendo um trabalho com borboleta e eu lembrei. A mamãe bordava muito nessa época de Carnaval... Era uma fantasia. Não sei dizer bem a cor, mas tinha uns gomos aqui perto do quadril, ela bordou umas borboletas lindas.”
Segundo Elizabeth, dona Aspásia também costurou peças para a escola de samba “A Patokada”, embora não fizesse parte da agremiação. “Ali era tudo amigo. Um ajudava o outro, era assim”. No entanto, ainda que a cidade delineada no discurso das irmãs seja mais tranquila e amistosa, alguns episódios deixam entrever contradições. Kátia lembra: “Mamãe fez uma fantasia muito bonita pra mim. Eu tava era muito alegre porque ia sair pela primeira vez no bloco. Mas aí eu fui tomar banho e quando eu voltei, cadê a minha fantasia? Já tinham levado”. Elas nunca conseguiram descobrir quem havia sido o responsável pelo furto.
A reminiscência de um passado permeado por afetos em uma cidade solidária é mencionada pelas irmãs quando perguntadas sobre a suposta contradição entre a folia e as devoções. “Era tudo brincadeira. Não era igual é hoje, né?”
Neste sentido, Verger (1984) identifica traços do que hoje chamamos Carnaval em procissões religiosas do Brasil colonial, especialmente nas danças, ritmos e batuques. Etimologicamente, a expressão latina carnem levāre,[2] da qual se originaram o termo italiano carnevale, o inglês carnival e o português carnaval, significa “levar a carne”. O desfile, referido pelo Advanced English Dictionary da universidade de Princeton como um tipo de procession, nos leva à origem de outro termo, procissão[3], cuja origem igualmente latina, processio, significa “movimento à frente” ou “marcha à frente, posteriormente reduzida ao significado religioso.
Segundo Pinheiro (1995), o rito, seja este profano ou religioso, cumpre uma mesma função no imaginário do “homem comum”: a de representar uma ruptura na qual um “mundo sobrenatural” – aquele habitado pelos deuses – emergisse de uma “ordem simbólica” que
(...) introduz o desvão entre o biológico e o simbólico, entre natureza e cultura, entre signo e objeto, entre vida e morte, entre tudo que é regrado e o riso, entre a realidade e o imaginário, enfim, entre o apolíneo e o dionisíaco. Então, o rito é a forma de linguagem que se instaura na brecha, no desvão, na tentativa de preenchê-la. (PINHEIRO, 1995, p.18)
Os ritos de outros tempos narrados pelas irmãs Borges revelam uma proximidade e identificação com as figuras dos álbuns de fotografias que é por vezes maior que aquela percebida para com alguns de seus conhecidos no tempo presente, pois as lembranças são habitadas por afetos revividos a cada vez que os rostos conhecidos são contemplados nos álbuns de família. A memória se refere a outros, sendo por isso também evocada pelas memórias de outros.
À luz da memória
Maurice Halbwachs (2006) compreende que a memória transcende a individualidade e passa a ser observada como uma construção de grupos sociais – entre os quais a família – que determinam o que deve ser rememorado e da maneira pela qual isto deve ocorrer. O autor analisa, portanto, que mesmo a memória dita individual possui natureza coletiva, sendo resultado de uma interação social, pois “nossas lembranças permanecem coletivas e nos são lembradas por outros, ainda que se trate de eventos em que somente nós estivemos envolvidos e objetos que somente nós vimos” (HALBWACHS, 2006, p. 30).
Apresentam-se duas memórias distintas: uma interior, pessoal e autobiográfica; e outra exterior, social e histórica. A primeira se apoia na segunda. A memória coletiva teria limites imprecisos e pulverizados vistos do interior dos grupos, sendo capaz de retroceder no tempo até certo ponto. Desta forma, Halbwachs (2006) afirma que a memória individual não é hermeticamente isolada, uma vez que o indivíduo recorre com frequência às memórias de outras pessoas para elaborar uma visão de seu próprio passado.
Esta memória individual é também despertada ao falar nos entes queridos que já faleceram: embora a imagem destes se torne menos nítida, a atenção sobre eles ganha força e é moldada à medida em que certos aspectos são ressaltados em detrimento de outros. Mesmo a memória mais particular, tal como aquela evocada pela experiência familiar, remete a um grupo. O papel da família é crucial neste contexto, pois a lembrança está profundamente associada ao apego, aos aspectos psíquicos, ao emocional. A história pessoal pode ser, por isso, realocada para o interior de um contexto, sendo a memória apoiada na história vivida e não na história aprendida. Carregar a lembrança, desta forma, seria uma interação social operada no plano subjetivo.
Isto porque, para acessar as próprias lembranças, o indivíduo busca apoio nas lembranças de outros, nos “pontos de referência” oferecidos pela sociedade. Nossa memória, na avaliação de Halbwachs (2006), está impregnada pelas memórias daqueles que nos rodeiam, de tal forma que, ainda que não estejamos diante de sua presença, tal experiência é reapresentada, realimentada e ressignificada por um emaranhado de fatores psicológicos, sociais e políticos que se revestem de “unidade”. Ao mesmo tempo em que a memória do indivíduo, o seu “testemunho” pode, em maior ou menor medida, influenciar a memória coletiva, o oposto ocorre com frequência. E esta permeabilidade não é percebida somente no contexto da produção da memória, mas no ato da rememoração.
A concepção durkheimiana que perpassa toda a análise de Halbwachs (2006) é bastante apropriada à abordagem dos ritos cíclicos como absorção do indivíduo pelo grupo, reafirmação do senso de pertencimento ou coesão do tecido social, substância na construção coletiva de uma comunidade afetiva, pois um grupo social que compartilha memórias ou um passado comum possui traços identitários que lhe conferem coesão. Neste sentido, a memória coletiva teria relação direta com a própria identidade do indivíduo. O que não significa, porém, que tal memória tenha caráter estático, pois ela opera de forma fluida, por palavras e ideias “emprestadas” do meio devido à confiança depositada pelo indivíduo na memória dos outros.
Ricouer (2007) compreende a memória não como um instrumento de armazenamento, mas como faculdade de ressignificação das coisas, dos fatos e, em última instância, de si mesmo. O autor aponta uma relação latente entre memória e imaginação buscando explicar por que a recordação surge sob a forma de imagem: uma imagem mental que ameaçaria a reivindicação de veracidade da memória. Isto se daria devido à tríade percepção/lembrança/ficção, pela qual a percepção seria modificada a cada vez que a lembrança é evocada ou exercitada.
Segundo Villas Bôas (2015), a relação complexa entre história e memória não caberia na dualidade clássica segundo a qual a história seria “crítica, conceitual e problemática” enquanto a memória apareceria “flutuante, concreta, vivida e múltipla”. De fato, a concepção de memória – e de seu oposto, o esquecimento – foi inserida na ciência dita objetiva a partir da década de 1970. Portanto, a memória individual e a memória coletiva tornaram-se fonte e fenômeno histórico em um contexto relativamente recente, constituindo uma novidade à qual coube a função de despertar a atenção de pesquisadores para “a emergência das identidades locais e das diferenças minoritárias”.
Pelo mesmo prisma, Viales Hurtado (2010) analisa que a história local pode ser assimilada como uma forma de descobrir a diversidade encoberta pelo “centralismo historiográfico”. Para tanto, recorre-se à tradição oral e à memória coletiva. Alguns desafios, porém, são postos neste processo. Um deles seria que, enquanto a chamada identidade nacional tem caráter linear ou plano, as realidades locais possuem temporalidades distintas. Por este motivo, quando um pesquisador se propõe a estudar realidades locais, o tempo é um fator importante a ser considerado.
O estudo das temporalidades, conforme Ricoeur (2007) deveria ser objeto de um campo de estudo específico, uma certa “cronosofia”, ou “filosofia do tempo” – termo que o autor atribui a Pomian. Villas Bôas (2015) percebe o tempo como uma “categoria organizadora de conhecimento” que permite a aproximação, por exemplo, entre a história e a psicologia social, uma vez que, ao buscar o passado, emergem memórias associadas a afetos, a experiências associadas à felicidade ou, ao contrário, associadas a traumas, tragédias, luto e ressentimentos.
Barthes (1984) oferece outra visão, não sobre o tempo como objeto de uma filosofia própria ou como categoria organizadora de conhecimento, mas sobre a história diante das implicações identitárias trazidas pelo advento da fotografia, que achamos pertinente mencionar:
Ver-se a si mesmo (e não em um espelho): na escala da História, esse ato é recente, na medida em que o retrato, pintado, desenhado ou miniaturizado, era, até a difusão da Fotografia, um bem restrito, destinado, de resto, a apregoar uma situação financeira e social – de qualquer maneira, um retrato pintado, por mais semelhante que seja (é o que procuro provar), não é uma fotografia. É curioso que não se tenha pensado no distúrbio (de civilização) que este novo ato traz. Eu queria uma História dos Olhares. Pois a Fotografia é o advento de mim mesmo como outro: uma dissociação curiosa da consciência de identidade. (BARTHES, 1984, p.25)
Desta forma, a imagem de si mesmo, segundo Barthes (1984), está apoiada na fotografia. E a fotografia, tal como a memória em Ricouer (2007) ressignifica o sujeito. Da mesma forma, a memória de si ou dos outros se apoia em fotografias como imagens/objeto ou ainda em uma imagem mental. Halbwachs (2006) cita a busca por pontos de referência, empréstimos, assimilações ou pontos de convergência para a memória individual, o que resultaria em “uma imagem engajada em outras imagens” (p.77). Esta “imagem flutuante” seria reconstruída por depoimentos e suportes materiais – entre os quais a fotografia – ou ainda uma imagem reconstruída baseada em interações sociais – tais como depoimentos de pessoas conhecidas.
Fotomnemografia?
Enquanto acaricia um álbum empoeirado com capa vermelha, Elizabeth Borges lamenta a perda de muitas outras fotografias. Algumas, segundo ela, foram danificadas em uma reforma, outras levadas por amigos e outras ainda requisitadas por pesquisadores que nunca devolveram. Muitos objetos de valor sentimental, ela se queixa, desapareceram. Até mesmo o livro raro de bordado da mãe fora levado “por uma pessoa que não sabe nem pregar um botão”. Ao apontar para um quadro na parede cujos contornos róseos lembram uma edificação, afirma:
Nós tínhamos muita foto. Mamãe tinha muito. Nós perdemo. Perdemo muita coisa. Agora a gente pede ao meno pra tirar uma cópia pros mesmos que a mamãe deu, não tem um que empreste ao menos, né? Aquela da estação, eu tinha vontade de ter. Eu tinha vontade de ter uma de volta, que essa aí no quadro ficou apagada. Apagou a estação. Não aparece mais. Porque essa daí a mamãe bateu a original. Aí emprestou. Na hora de devolver, eles deram uma cópia. Aí com o tempo, ela sumiu. Era uma foto bonita. Aí começaram a pedir. O pessoal da universidade, os professores, um bocado de gente pedindo. Até que um dia eu digo ‘papai, não empreste, o senhor vai perder! Daqui a pouco vão demolir’, como de fato demoliram, né? Tanto tempo lá o prédio e ninguém tirava uma foto! Aí a gente não lembra de tudo, né? Se tivesse a foto ficava uma lembrança, um documento pra mais tarde.
Quando admite que “a gente não lembra de tudo”, Elizabeth se refere aos fatos, paisagens, fisionomias, datas, cores, formas que se esvaem junto com a materialidade das fotografias, enevoando a imaterialidade das memórias que o suporte buscava preservar. De fato, as lembranças esbarram na materialidade dos álbuns, alguns destruídos pelo tempo, pelas “anamorfoses cronotópicas” assim definidas por Machado (1993), como um elemento que transforma, comprime, dilata, multiplica e torce a matéria até sua transfiguração.
Quanto à dimensão de “documento” atribuída por Elizabeth à fotografia, ainda que aquelas constantes no álbum da família Borges não estejam datadas, cabe citar Dubois (1993):
(...) essa capacidade mimética procede de sua própria natureza técnica, de seu procedimento mecânico, que permite fazer aparecer uma imagem de maneira “automática”, quase “natural” (segundo tão-somente as leis da ótica e da química) sem que a mão do artista intervenha diretamente. Nisso, essa imagem (...) se opõe à obra de arte, produto do trabalho, do gênio e do talento manual do artista. (DUBOIS, 1993, p.27)
Esta percepção, porém, foi relativizada. Admitir o processo de produção de imagens fotográficas como automática ou natural, como afirmado pelo autor, significaria minimizar a interferência do fotógrafo quanto à escolha do cenário, ângulo e elementos expostos. Esta interferência representa, sobretudo, seletividade que afasta sua tentativa de naturalização. A complexidade deste caráter duplo, o de imagem natural e o de imagem produzida, é assim definida por Sontag (1977):
“As fotos são, talvez, os mais misteriosos de todos os objetos que compõem e adensam o ambiente que identificamos como moderno. As fotos são, de fato, experiência capturada, e a câmera é o braço ideal da consciência, em sua disposição aquisitiva.” (SONTAG, 1977, p.8)
A interferência do fotógrafo se dá no instante em que “as mãos se colocam a serviço desse olhar, o corpo se posiciona para proporcionar o enquadramento ordenado pela imaginação visualizadora.” (BARROS, 2009, p. 186). De fato, a travessia de uma realidade tridimensional para um suporte bidimensional tem suas implicações. São as expressões faciais e corporais, os objetos, a profundidade do cenário que, sob determinada luz, movem o olhar do espectador. Segundo Barros (2009), a motivação para esta travessia se daria por um desejo de buscar alguma forma de permanência diante da impermanência do tempo, pois:
Não será difícil encontrar no desejo de paralisar o tempo uma motivação para fotografar. Fazer cessar o movimento dos segundos, colocar ordem num caos que parece sempre se recriar, é algo a que a fotografia pode servir. Disparamos o obturador e temos a garantia da memória daquele instante congelado. (BARROS, 2009, p. 188)
Este desejo teria suas implicações, sobretudo quando se trata de retratar pessoas – como é o caso dos álbuns familiares. Segundo Barthes (1984, p. 27) “A Foto-retrato é um campo cerrado de forças”. O autor analisa a confluência de quatro imaginários: “aquele que me julgo, aquele eu gostaria que me julgassem, aquele que o fotógrafo me julga e aquele de que ele se serve para exibir sua arte”. A sensação de inautenticidade do ser fotografado derivaria, segundo ele, do desconforto de “um sujeito que sente-se tornar objeto”, de uma imitação de si mesmo ou, em outras palavras, de uma “microexperiência de morte”. Portanto, a fotografia não seria uma transcrição perfeita do referente, mas uma versão deste.
Por sua gênese automática, a fotografia testemunha irredutivelmente a existência do referente, mas isso não implica a priori que ela se pareça com ele. O peso do real que a caracteriza vem do fato de ela ser um traço, não de ser mimese. (DUBOIS, 1993, p.35)
Sontag (1977) avalia que a fotografia é, a um só tempo, imagem e objeto. Uma imagem produzida e um objeto fácil de ser destruído ou extraviado e que, apesar destes inconvenientes, tornou-se largamente utilizada. Sua amplitude reside no fato que esta “relaciona-se a ambiência psicossocial moderna, ao permitir que as formas do mundo pudessem ser perpetuadas, copiadas, fabricadas, multiplicadas e distribuídas” (ROCHA & ECKERT, 2000, p. 5-6. Guran (2011), por sua vez, credita à fotografia a inspiração para novas percepções, pois ela “registra ainda o fugidio, o apenas entrevisto, o inusitado, e, desta forma, abre novas perspectivas para a observação de um fato.” (p.85)
Afinal, se a memória é uma atividade psíquica que encontra na fotografia seu equivalente tecnológico moderno, evidentemente, no outro sentido, que a metáfora nos interessa, como uma inversão positivo/negativo: a fotografia é tanto um fenômeno psíquico quanto uma atividade ótico-química. A fotografia: uma máquina de memória, feita de loci (o receptáculo: o aparelho de foto, sua objetiva, sua janela; caixa negra, recorte e retângulos virgens de película; de uma bobina a outra, desfile ordenado das superfícies vazias receptoras) e de imagines (as impressões, as inscrições, as revelações, que vão e vêm, sucedem-se nas superfícies, desenrolam-se em "cópias de contato"), uma mnemotecnia mental. (DUBOIS, 1993, p.316-317)
O autor entende que “Uma foto é sempre uma imagem mental. Ou, em outras palavras, nossa memória só é feita de fotografias” (DUBOIS, 1993, p.314). Por este motivo, se a fotografia serve como suporte que reaviva ou recria memórias, isto se deve ao fato que o ato de fotografar seja, antes de tudo, um ato imagético. As fotografias começam como uma imagem mental daquilo que vale a pena preservar – tal como ocorre na seletividade da memória – e terminam como a imagem mental que se faz delas depois de anamorfizadas pela exposição aos elementos ao longo dos anos.
Por fim
O afeto (re)despertado pelas fotografias se deve àquilo que Halbwachs (2006) chamou de “quadros sociais da memória”. São tempos idos, pessoas ausentes e espaços transmutados evocados pelos álbuns envelhecidos, pelos gestos minuciosos e pelas narrativas repletas de imprecisões. O registro destas realidades atesta que a biografia de um indivíduo é atravessada por eventos dos quais se recorda pela experiência, apoiada em maior ou menor grau pela narrativa testemunhal de outras pessoas.
As fotografias “mareadas” – termo empregado por Elizabeth Borges para definir aquilo que Machado (1993) chamou “anamorfoses cronotópicas” – embora percam muito de seu poder narrativo definido pelo quadro imaginado pelo fotógrafo durante o manuseio do equipamento e no instante da captura da luz, sugerem, tal como cicatrizes na epiderme, a ação do tempo. O tempo se torna tátil, texturizado. Perde-se em legibilidade, porém a tangibilidade permanece, uma vez que as fotos são, como observado por Sontag (1977), longevas, mas não importais. Elizabeth, resignada, sintetiza que “ficou tudo no tempo”, e assim se refere tanto ao tempo cronológico quanto ao tempo climático, o das intempéries que imprimem suas marcas nas memórias de papel.
Concordamos com Halbwachs (2006) no que o autor afirma que as memórias individual e coletiva não apenas coexistem como se complementam. A primeira pode se apoiar sobre a segunda em diversas situações, como para confirmar lembranças, conferir precisão a estas, preencher lacunas, reforçar a posição ou status ocupado pelo indivíduo naquele grupo ou para contextualizar determinada lembrança pessoal. E ainda quando afirma que o ato de lembrar é, sobretudo, um ato político, uma escolha do que evocar. A representação presente de um dado passado e ausente na contemporaneidade é tarefa complexa, pois o ato de retomar algo por intermédio da memória envolve diversos fatores.
Por este prisma, uma sonhada confluência entre a “cronosofia” apresentada por Ricouer (2007) e a “história dos olhares” proposta por Barthes (1984), poderiam auxiliar na compreensão das imagens fotográficas como representações do tempo, não apenas nos efeitos físicos de seu indesejado – porém inevitável – contato com as intempéries, mas na memória fluida e ressignificada que emana delas a cada vez que são contempladas.
Referências
BARROS, Ana Taís Martins Portanova. A Permeabilidade da Fotografia ao Imaginário. Revista Fronteiras – estudos midiáticos 11(3):185-191, setembro/dezembro 2009.
BARTHES, Roland. A Câmara Clara: Nota sobre a fotografia. Trad. de Júlio Castañon Guimarães. São Paulo: Nova Fronteira, 1984.
DUBOIS, Phillipe. O Ato Fotográfico e Outros Ensaios. Trad. de Marina Appenzeller. Campinas: Papirus, 1993.
GURAN, Milton. Considerações sobre a constituição e a utilização de um corpus fotográfico na pesquisa antropológica. Discursos Fotográficos. Londrina: v.7, n.10, p.77-106, jan./jun. 2011.
HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. Trad. de Beatriz Sidou. São Paulo: Centauro, 2006.
MACHADO, Arlindo. Anamorfoses cronotópicas ou a quarta dimensão da imagem. In: PARENTE, André (org.). Imagem-máquina: A era das tecnologias do virtual. Rio de Janeiro: Editora 34, 1993.
NONATO DA SILVA, Dário Benedito Rodrigues. Os Donos de São Benedito: convenções e rebeldias na luta entre o catolicismo tradicional e devocional na cultura de Bragança, século XX. 2006. Dissertação (Mestrado em História Social da Amazônia) – Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Pará, Belém.
PINHEIRO, Marlene M. Soares. A Travessia do Avesso: Sob o signo do carnaval. São Paulo: ANNABLUME, 1995.
RICOUER, Paul. A Memória, a História, o Esquecimento. Tradução: Alain François. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2007.
ROCHA, Ana Luiza Carvalho da. ECKERT, Cornélia. Imagem Recolocada: pensar a imagem como instrumento de pesquisa e análise do pensamento coletivo. Iluminuras: Série do Banco de Imagem e Efeitos Visuais. Porto Alegre, n°8, 1-12, 2000.
ROSÁRIO, Ubiratan. Saga do Caeté: Folclore, história, etnografia e jornalismo na cultura amazônica da marujada. Zona bragantina, Pará. Belém: Edições CEJUP, 2000.
SONTAG, Susan. Sobre Fotografias: Ensaios. Companhia das Letras, 1977.
VERGER, Pierre. Procissões e Carnaval no Brasil. Ensaios/Pesquisas. Salvador: Centro de Estudos Afro-Orientais da Universidade Federal da Bahia, n.5, 2ª tiragem, 15 p. out.1994.
VIALES HURTADO, Ronny J. La región como construcción social, espacial, política, histórica y subjetiva. Hacia un modelo conceptual / relacional de historia regional en América Latina. Geopolítica(s) v. 1 n. 1 p. 157-172, 2010.
VILLAS BÔAS, Lúcia. História, Memória e Representações Sociais: Por uma abordagem crítica interdisciplinar. Cadernos de Pesquisa v. 45 n. 156, p. 244-258, 2015.
[1] Item da indumentária feminina da festividade de São Benedito, o chapéu da maruja é feito a partir de um chapéu de palha revestido de tecido dourado e que conta, na extremidade superior, com uma espécie de turbante feito com penas de pato entrelaçadas e, e na extremidade inferior, com fitas coloridas que descem pelas costas quase até os pés (ROSÁRIO, 2000).
[2] Advanced English Dictionary: carnival. Noun: 1. a festival marked by merrymaking and processions; 2. a frenetic disorganized (and often comic) disturbance suggestive of a large public entertainment (…) Etymology: From Italian carnevale, from the Latin phrase carnem levāre, to put away meat.
[3] Advanced English Dictionary: procession. Noun: 1. (theology) the origination of the Holy Spirit at Pentencost; 2. the group action of a collection of people or animals or vehicles moving ahead in more or less regular formation; 3. the act of moving forward (as toward a goal) (…) Etymology: From Middle English processioun, from Old French pourciession, from Latin processio (“a marching forward, an advance, in Late Latin a religious procession”), from procedere, past participle processus (“to move forward, advance, proceed”).