Anaíza Vergolino e Silva, que empresta seu nome para nossa seção de Ensaios Fotográficos da Revista Visagem, é a minha ilustre entrevistada desta edição. Sua importância para a antropologia na UFPA e na Amazônia vai muito além de citações em obras e quadros pendurados em paredes. Ela não apenas levou o Terreiro e o Povo de Santo para a academia, mas a academia para dentro dos Terreiros durante suas incontáveis pesquisas, que inauguraram a temática na região, ainda nos anos de 1960. Ao lado de Arthur Napoleão Figueiredo, que a iniciou em sua brilhante carreira, trilhou um caminho importante e basilar, em uma época em que a Antropologia era apenas um esboço, um projeto na Universidade Federal do Pará.
Ela é graduada em História (UFPA). Foi bolsista de Arthur Napoleão Figueiredo, seu grande amigo e incentivador para o campo antropológico e com quem desenvolveu vários projetos e pesquisas, inclusive a formação da Reserva Técnica do Laboratório de Antropologia Arthur Napoleão Figueiredo: um imenso acervo com centenas de artefatos da cultura material das religiões de matriz africana na cidade, além da cultura indígena de várias etnias e da vida interiorana. Juntos também acumularam um fabuloso acervo fotográfico.
É mestre em antropologia, sob orientação de Peter Fry, pela UNICAMP. Professora aposentada, mas nunca parada, pela UFPA. Está sempre cercada de alunos e amigos, nunca nega orientação e uma boa conversa recheada de palavras doces e sábias. Possui uma vasta obra e coleciona títulos e honrarias. Atualmente é a presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Estado do Pará. Acaba de lançar um livro, a partir de sua dissertação de mestrado, “Tambor das Flores”.
Esta entrevista trata de curiosidades minhas - mas acredito que outros tantos também gostariam de ter feito estas perguntas - acerca de suas experiências com a fotografia, inserção da câmera em campo e suas produções visuais lá... lá no início do que chamamos de antropologia na Amazônia. No final, temos quatro fotografias cedidas gentilmente pela Professora Anaíza Vergolino, do seu riquíssimo acervo.
Alessandro Campos - Professora Anaíza, seu acervo fotográfico - que eu tive a honra de conhecer uma parte durante minha dissertação de mestrado - é fascinante e, de certa forma, conta a história da pesquisa antropológica na UFPA. Quando e como a senhora começa a utilizar a câmera fotográfica em suas pesquisas ao lado de Arthur Napoleão Figueiredo?
Anaíza Vergolino – já em 1966, quando me tornei Professora Auxiliar de Ensino e quando o projeto “Batuques de Belém” apresentado pela cadeira de Etnologia e Etnografia do Brasil sobre a regência do Professor Napoleão Figueiredo, foi aprovado pela Congregação da Faculdade de Filosofia, ciências e letras e demais instâncias da UFPA e teve parte da carga horária semanal do Regime de Tempo Integral e Dedicação Exclusiva tanto do professor titular quanto da sua auxiliar alocada para a pesquisa.
Alessandro Campos - Muito diferente do que é hoje, nos anos de 1960, os equipamentos fotográficos (câmeras, lentes, revelação...) eram de difícil acesso e exigiam uma maior complexidade em sua utilização. Como foram conseguidos os equipamentos que vocês usavam (onde compraram? Fizeram curso para usar?), como a famosa Rolleiflex que está na Reserva Técnica da UFPA?
Anaíza Vergolino - Quando ainda era aluna em 1965, na fase de bolsista, eu me recordo que ele já possuía equipamento fotográfico, mas não sei precisar se já era a “famosa Rolleiflex”. Napoleão Naquele tempo era do Museu Goeldi e lá ele já trabalhava com esse tipo de equipamento. Lembro que na época ele havia retornado do trabalho de campo entre os índios Aramagoto do Rio Paru de Oeste região da Serra do Tumucumaque, onde ele esteve com Protásio Frikel, um missionário católico na região e também pertencente à divisão de Antropologia do Museu Goeldi. Veja que seu trabalho “A festa dos coletores entre os Aramagoto” publicado como um boletim de antropologia do Museu Goeldi no ano de 1964, já vem trazendo fotos de sua autoria. Agora se ele fez um curso de fotografia no Goeldi ou em outro lugar não sei dizer, mas na universidade nunca houve nenhum curso que eu tenha frequentado. Que eu tenho certeza para afirmar é que, quando as pesquisas da cadeira de Etnologia de fato começaram, Napoleão que era também diretor da faculdade, conseguiu que a Universidade adquirisse equipamento fotográfico para ser usado nas pesquisas, porém não lembro se a famosa Rolleiflex fez parte desta compra. Lembro apenas de uma binocular muito potente que resgatava imagens a grande distância. Napoleão tinha muito orgulho de seu equipamento de pesquisa que compreendia também a parte para gravação e também muito zelo com relação à sua manutenção tanto é que logo foi comprado na firma “Vitor C Portela”, que era uma das mais completas no ramo de móveis de escritório, armário de aço com porta de vidro em que ele guardava as máquinas e lentes mais sensíveis de longe da umidade.
Napoleão tinha o perfil do professor universitário que estava longe de ser um mestre da oratória; seu perfil era de pesquisador e na Universidade do Pará fez tanto fez Ciência quanto abrir os caminhos para a ciência. Digo isso porque acompanhei de perto seu empenho enquanto diretor, para criar um ambiente científico na faculdade. Eu me recordo dele acompanhado diariamente a construção e montagem mínima, no precário barracão de aulas da Faculdade de Filosofia, de um espaço para servir de laboratório para nascente área de genética que surgia na UFPA de graça o trabalho pioneiro de outro homem de ciências - o médico Manoel Ayres - então professor. Se não me falha a memória, da cadeira de Biologia da educação que fazia parte da grade curricular do curso de Pedagogia e das classes de licenciatura; lembrando que antes da criação dos Centros, hoje em institutos, a pedagogia era um dos cursos pertencentes à faculdade de Filosofia que então funcionava na Avenida Generalíssimo Deodoro entre Antônio Barreto e Diogo Móia onde atualmente funciona a sede do APAE Pará.
Alessandro Campos - Ainda hoje, mas em menor escala, a utilização da câmera (fotográfica ou filmadora) ainda é negociada e, de certa forma, estranhada durante as pesquisas de campo. Como funcionava sua utilização em suas pesquisas?
Anaíza Vergolino - A utilização da câmera, sobretudo a fotografia na prática daquela nascente antropologia fez parte de um longo processo de contato de Campo que gradativamente foi alicerçando a confiança mútua entre pesquisador e pesquisado. E a confiança aconteceu à proporção que os terreiros foram compreendendo, o seu modo, que o projeto “Batuques de Belém” tinha como objetivo dizer que em Belém existia uma tradição cultural negra e que aquilo que se praticava nas terreiros era sim uma religião que procedia dessa tradição. Fazer palestras na rede pública e particular de ensino; realizar pequenas exposições nascente acervo; levar os alunos visitantes até os setores da CNBB para conhecer os terreiros e Searas, fazia parte de uma proposta de “falar bem” sobre os terreiros. De modo que, o registro com a câmera fotográfica ou com gravação nunca problema, muito pelo contrário, fazia parte do prestígio que o “doutor” e a “gente da universidade” destinavam aos terreiros. Eu falo sobre isso no capítulo 1 do Livro “O tambor das flores”, mas acrescento que na época pesou muito fato de termos sido pesquisadores que carregavam nas costas o peso de sua de uma instituição como a UFPA.
Alessandro Campos - O que pretendiam fazer com as imagens capturadas? (acervo, pesquisa, exposição...)
Anaíza Vergolino - Acho que o professor Napoleão deixou essa resposta bem clara no seu artigo “As coleções etnográficas da Universidade Federal do Pará”, publicado na revista do Instituto Histórico e geográfico de Alagoas ano de 1981 em que ele colocava a fotografia como uma parte complementar e necessária de um registro documental da vida material e não material dos grupos humanos estudados. O pesquisador deveria documentar exaustivamente a cultura estudada e a fotografia era imprescindível nesta documentação. Em outras palavras um trabalho sem fotografias era um registro incompleto e limitado. Com relação às imagens elas eram pensadas como objetivo de formação de um acervo com três finalidades: uso didático (ilustração de aulas e palestras); uso científico (permuta entre pesquisadores de diferentes instituições); uso em divulgação (exposições abertas no âmbito da Universidade e ao grande público). Se bem observarmos essas três finalidades já correspondiam as três áreas - ensino / pesquisa / extensão - que posteriormente seria implantada as áreas acadêmicas das três atuais Pro-reitorias. Quer dizer então que o “fazer antropológico” daquela extinta Cátedra se antecipava as novas diretrizes que vieram com a reforma Universitária. E hoje, fazendo uma avaliação retrospectiva é impressionante constatar a importância que esse longo trabalho de recolher, guardar, documentar com imagens tiveram aos olhos da comunidade religiosa. Em Maio de 1996 por ocasião do trigésimo aniversário do ritual do Tambor das Flores informativo “O Minagê” da Federação Umbandista louvava o trabalho do antropólogo ao dizer que ele através de seu registro “eterniza o perecível”. Uma referência às ações, objetos e imagens de médiuns, líderes que se foram deixando lembranças e saudades, mas que ficaram nas imagens capturadas pela lente do pesquisador.
Alessandro Campos - Voces dois conheciam algum(a) autor(a) que tratavam da utilização das imagens na pesquisa... do que hoje chamamos de Antropologia Visual?
Anaíza Vergolino - Que eu me lembre, não. A utilização da fotografia era imprescindível na Antropologia Histórico-Cultural que se praticava na UFPA na época. Junto com a pesquisa de campo, ela era um instrumento que ajudava a se coletar e documentar o máximo de informações, como disse antes, sobre o grupo estudado. Como área específica, a Antropologia visual é posterior a essa antropologia do final dos anos 60 e desenvolvida na UFPA.
Belém, 26 de junho de 2016.
1. Introdução
Em meu percurso como artista, práticas corporais nunca deixaram de existir no processo de ensino nas artes cênicas. Sorte do acaso ou obra do destino me fizeram estar na maioria dos processos de criação de peças teatrais ou experimentos cênicos, imerso em algum tipo de treinamento corporal sistematizado por algum pesquisador da área. Em alguns processos criativos me dei conta da potência da criação de um treinamento que estivesse ligado as minhas necessidades e limitações na atuação cênica.
Na graduação em teatro da Universidade Federal do Pará me confrontei com teóricos que me deram possibilidade de argumentação e reflexão de quais caminhos poderia percorrer no processo de uma proposta autoral do treinamento (BARBA, 1995,p11). Nesse confronto de teorias deparei-me com o universo ameríndio do Xingu e com contribuições epistemológicas da etnocenologia e antropologia estética. Neste sentido treinamento para Eugenio Barba é:
“Tudo isso nos dá consideráveis informações sobre equilíbrio e a relação entre processos mentais e tensões musculares, mas não nos diz nada de novo sobre o ator. De fato, dizer que os atores estão acostumados a controlar sua própria presença e traduzir suas imagens mentais em ações físicas e vocais simplesmente significa que os atores são atores. Mas a serie de micromovimentos revelada nas experiências de equilíbrio coloca-nos em outra pista. Esses micromovimentos são uma espécie de núcleo que, escondidos nas profundezas das técnicas corporais cotidianas, podem ser modelados e ampliados para aumentar a força da presença do ator ou bailarino, tornando-se assim base das técnicas extracotidianas. (BARBA, 1995, p.11).
No contato com aldeias da etnia mebengokre, desenlaço um nó histórico. Fato este que ocasiona o esquecimento da identidade étnica do povo brasileiro. A perda da identidade indígena de minha família foi silenciada pelo processo histórico de colonização e globalização do Brasil. Indo atrás de vestígios históricos encontro parentes em aldeias mebengokre. (CABRAL, 2013, p13)
O povo Kayapó, que também pode ser escrita para nós como Caiapó, desde o processo de contato de antropólogos e pesquisadores com esses povos, a antropologia reconhece essa etnia como Caiapó, nome de origem tupi, caia – macaco e po- semelhante. Porém a etnia se autodenomina mebengokre, mebengo- rio e krê- buraco, “povo da nascente d’agua” ou “povo do buraco d’agua”. (HAMÚ, 1992, p24).
Neste momento percebo o trajeto para reflexões e contribuições epistemológicas em meu processo de investigação no campo da arte. Auxiliando a apropriação de conteúdos reflexivos para favorecer a valorização e o fortalecimento da cultura indígena aliando a necessidade artística no processo de construção de minha poética.
A Etnocenologia foi apresentado no Manifesto de criação do 'Centre International d’Ethnocénologie', em de 9 de fevereiro de 1995, como um "neologismo" que é um fenômeno linguístico que consiste na criação de uma palavra ou expressão nova, se inspira no uso da dimensão orgânica da atividade simbólica que não se reduz ao visual, referindo ao conjunto das modalidades perceptivas humanas, coloca o aspecto global das manifestações expressivas humanas desde as cognitivas às espirituais. (BIAO, 2007, p. 28).
No percurso da monografia senti a necessidade de criar um grupo para experimentarmos técnicas, jogos, exercícios e praticas que eu identifiquei no contato desde meu primeiro campo com a aldeia de Apexty[1]. O Grupo Ameríndios Mex (GAM) iniciou a partir da necessidade de comunicação dos contextos simbólicos-artísticos que fortaleciam o retorno à reflexão do território que estamos falando. Neste sentido percebendo diversos trabalhos no campo da arte indigena, contribuindo para minhas reflexões sobre o conceito de “arte” ocidental e “arte” indigena. Para Els Lagrol:
“Continua, portanto, relevante voltar nossa atenção para contextos nativos cuja produção ‘artistica’ não segue as mesmas leis que as do Ocidente, não entra na lógica do mercado, e, às vezes, nem na da troca, e não funciona a partir da separação entre a vida cotidiana e arte. Estudos sobre a relação entre a produção artística e o quadro conceitual da sociedade ressaltam particularidades que constatam com os cânones tradicionais da arte ocidental, exemplos, aliás, que são encontráveis também em manifestações da arte conceitual, com obras feitas para não serem vistas ou ouvidas ou ainda outras, produzidas para desaparecerem ao final do processo de sua fabricação ou performance”. (LAGROL, 1963, p.80).
Na Escola de Teatro e Dança da Universidade Federal do Pará até a conclusão desde trabalho ainda não havia tido uma investigação que colocasse em seu âmbito acadêmico aspectos artísticos e modos de organização simbólica de povos ameríndios. Este incômodo foi se estabelecendo a partir do percurso do curso de graduação em Teatro.
Neste percurso investigativo encontramos uma nova forma de organização simbólica potente para a utilização de aspectos éticos e estéticos da cultura indígena mebengokre. Este momento torna-se importante para aproximar espectadores à uma nova realizada até então distante e silenciada na cidade de Belém.
Neste momento interessa perceber a pouca produção que relacione forma e conteúdo às produções no campo da performance art (COHEN, 1998) no Estado do Pará, abrindo para reflexões sobre o estranhamento que ocorre no campo das artes em produtos artísticos que a priori não possuem em seu processo de criação em artes a dimensão ética e estética. Ocorrendo na maioria das vezes a folclorização[2] de aspectos da cultura indígena.
Este percurso em nenhum momento fortalece a ideia da diversidade de povos indígenas que vivem no território do Estado do Pará. Onde é possível identificar diversos grupos vivendo modos de organização simbólica peculiares a cada etnia. A folclorização da cultura indígena acaba por colocar a questão indígena na Amazônia sendo singular e homogênea diferente da realidade heterogênea e diversa da questão indígena no Estado do Pará.
Com isso senti a necessidade no percorrer do processo de criação do treinamento autoral para atores a criação de um grupo[3]-laboratório composto por atores e bailarinos do qual iríamos trabalhar no processo de tradução de qualidades de movimento[4] a partir da identificação pinturas corporais por meio de fotografias e vídeos de minhas vivencias em campo.
2. Objetos do trajeto.
O encontro com esta perspectiva transciplinar, a etnocenologia, possibilitou a emersão do artista-etno-pesquisador nas confluências e derivações deste trajeto de vida. Para Armindo Bião:
“A ideia de trajeto remete à articulação de um sujeito com seus objetos de interesse e com outros sujeitos, cujos interesses, ainda que parcialmente, comuns, se encontram na encruzilhada das ciências e das artes, onde múltiplos grupos de pesquisa se formam transformam ao longo do tempo” (BIAO, 2007. p21).
Neste momento no GAM, conseguimos criar alguns códigos como a palavra punu (ruim) e meykumerex (bom, legal) que usávamos como palavras para guiar os comandos. Experimentamos a combinação dos fatores de movimento sugerido por Laban em atividades (pescar, caçar, saltar, nadar, correr) do cotidiano mebengokre.
O começo dos encontros era conduzido com um exercício que denomino de sintonia. O exercício começa com os atores no chão, peito para cima e as palmas das mãos ao lado do corpo. Pedia para que todos percebessem os movimentos respiratórios com a atenção no diafragma. Divido o exercício em três momentos: primeiro, consciência corporal (peso) com o corpo deitado no chão de barriga pra cima; segundo, domínio do corpo no começo do movimento (fluência); terceiro, domínio do movimento, plano médio e alto (fluência e tempo)
Na primeira etapa observamos com atenção as partes do corpo que não tocavam ao chão como a nuca, coluna lombar, parte de trás dos joelhos e tornozelos. Percebia com isso uma alteração no corpo do Grupo na relação com a tensão corporal. Observava que neste momento os corpos dos participantes estavam mais presentes na sala. Acredito que esse exercício serviu para uma compreensão e autoconhecimento das estruturas corporais; a transformação e condução de energia pelo corpo presentes em nosso trajeto. Observamos também uma exploração continua dos movimentos respiratórios, a sintonia com a terra, com o solo e a relação do corpo com a gravidade, elementos necessários para a compreensão do universo cosmológico indígena.
Ainda na primeira etapa do exercício sintonia, percebia que o Grupo quase adormecia, zerando seus movimentos para iniciar novos. Nesse momento pedia para cada participante percebesse o peso do corpo no chão, imaginando que seu corpo estivesse sendo puxado para o centro da terra, na tentativa de dilatar conexões com forças da natureza, com a terra (chão) e com o espaço. Nos primeiros encontros esse exercício ajudou a conexão e absorção dos conhecimentos que adquiríamos ao longo dos encontros. O exercício serviu para que o Grupo Ameríndios Mex pudesse conectar com as forças que atuam no mundo, como a gravidade por exemplo.
No processo, distribui folhas de papel e pedi para que o Grupo desenhasse um animal que gostaria de ser, desenhando da forma que conseguisse, colocando ao lado adjetivos e qualidades de movimento do animal escolhido.
No exercício sintonia solicitava para que o Grupo começasse a imaginar os animais que haviam desenhado, lembrando texturas, partes do corpo e modos com que os animais escolhidos eram presentes na memória do Grupo.
Neste sentido, Laban confirma que:
“os animais jovens apreendem, conquanto independentemente de um controle consciente, a selecionar e desenvolver suas qualidades de esforço por meio das brincadeiras. Ao brincarem os animais simulam todos os tipos de ações que lembram, de maneira muito marcante as ações reais que terão necessidade de praticar quando tiverem que se sustentar no futuro” (LABAN,1978, p33).
O exercício finalizava com o esticar das partes do corpo (segunda etapa) no objetivo de acordar músculos, ou movimentar partes do corpo que não movimentamos no cotidiano. No decorrer dos encontros fui desdobrando esse exercício para que no momento de imaginar esse animal dentro de cada um, pudesse chegar até o nível alto com qualidades identificadas dos animais escolhidos pelo Grupo. Cada participante evocava qualidades de movimento que estariam guardados em locais silenciosos dentro de suas memórias, e isso era precioso para mim. Percebia a conexão com as qualidades de movimento dos desenhos de forma mais latente na terceira etapa, quando todos os participantes estariam produzindo seus movimentos no nível alto.
Este grupo me proporcionou o inicio do projeto em meu trajeto, me possibilitando recriar o percurso criativo da investigação. O Grupo era composto por atores e dançarinos matriculados nos cursos de graduação em dança e teatro, e, técnico em formação de ator da Escola de Teatro e Dança da Universidade Federal do Pará.
Abaixo desenhos e relatos descritos pelo Grupo:
Desenho 01 - Desenho da Coruja, com seu olhar atento conectando ao Krori (Onça)
“Acho a coruja um ser bastante bonito. A coruja é um animal rápido e atento a tudo. Tem qualidades como o voo. Consegue saltar e partir para o voo. Também é um grande observador.”
Amália Santos.
Fonte: Amália Santo, 2013.
Desenho 02 - Desenho da Libélula, seu voo presente nas qualidades do Âkrê (Gavião).
“A Libélula é um ser puro, positivo e colorido, transmiti muitas coisas boas. Pra mim a Libélula tem como qualidades a rapidez. Ela é um ser intenso e constante.”
Andréa Apolinário.
Fonte - Andrea Apolinário, 2013.
Desenho 03 - Macaco, prestes a dar seu salto do Kukoj (Macaco).
Eu acho o macaco um ser genial, muito parecido com ser humano. Eu acho ele muito perspicaz, ágil e acrobático. Pra mim ele tem qualidades que ajudam muito na movimentação para o teatro. Pra mim as qualidades que enxergo é poder de contorção para fugir, possui a qualidade também de saltar, muito interessante, sabe dar rolamentos também.”
Kallew Max
Fonte: Kallew Max, 2013.
Consideramos em nosso processo a palavra animal, todo ser vivo presente na floresta Amazônica. Sendo assim, cada animal intuitivamente nos auxiliou na investigação de qualidades de movimento similares, encontrado em outros animais. Para exemplo, a libélula possibilitou Andrea Apolinário a mostrar a cada encontro a investigação em seu corpo, a qualidade do voo, presente também em outros animais de grande ou pequeno porte que tenham essa habilidade.
Quando todos estavam no plano alto, Max gerava no “impulso pessoal” movimentos nos três níveis: baixo, médio e alto. Amália, ao escolher a coruja, percebia um olhar penetrante com um corpo tensionado, que a atriz desenvolvia no processo do exercício sintonia, que poderíamos posteriormente observar qualidades da onça, como a atenção e olhar atento.
O principio metodológico em utilizar a potencia dos desenhos para delimitarmos qualidades de movimentos e especificidades de animais da fauna amazônica, foi também uma inspiração retirada da autora Lux Vidal em “Grafismo Indígena” (1992). A autora nesta obra coloca um procedimento metodológico ao analisar grafismos dos Xikrins, ao dar folhas de papel e canetas para que as nira (mulheres indígenas) desenhassem intuitivamente os grafismos que achavam importantes na comunidade.
No processo do Grupo Ameríndios Mex foi realizado desenhos para que começássemos a observar em quais princípios se era construído a corporeidade mebengokre. Os desenhos serviram para acessar qualidades de movimento animal, ancestrais para os mebengokre, pertinentes na memória de uma cultura. O conhecimento sobre o animal escolhido materializava o imaginário amazônico presente no corpo e na ancestralidade. Ressaltando assim o “esforço de identificação de sua filiação histórica e de seu parentesco atual como outros fenômenos” (BIAO, Armindo. 2009. p37).
A escolha dos grafismos para a criação do treinamento corporal surgiu a partir da necessidade de estabelecer relação do corpo com os três níveis existentes: nível baixo, médio e alto. Elegi quatro grafismos encontrados no material audiovisual do ultimo mergulho em 2013 com a comunidade de Apexty: Kapran (jabuti), Krori (onça), Kukoj (macaco), Âkrê (gavião). Os grafismos identificados fazem relação com animais da floresta, porem é necessário lembrar que existem outros tipos de grafismos com variação dos temas seguindo a dicotomia: individuo – planta, individuo – animal, e individuo – objeto. Tal escolha da relação individuo-animal partiu da necessidade de estabelecer relações corporais com qualidades de movimento que pudessem ser sentidas no corpo para serem utilizadas na atuação performativa.
No contato com os indígenas, observei a relação com a memória dos antepassados que se tornam vivos no ato da pintura. É algo não dizível com palavras, porem muito bem estruturado como destaca Lux Vidal:
“Os motivos decorativos se adaptam a um suporte plástico, o corpo que por sua vez, é portador de outro conjunto de significados. Aplicada no corpo, a pintura possui função essencialmente social e mágico-religiosa, mas também é a maneira reconhecidamente estética (mei) e correta (kumrem) de se apresentar. Estabelece-se aqui uma correspondência entre ético e estético. A decoração é concebida para o corpo, mas este só existe através dela. Como afirma Marcel Mauss e mais tarde Claude Lévi-Strauss, essa dualidade corpo (forma plástica) e grafismo (comunicação visual) expressa outra dualidade mais profunda e essencial: de um lado o individuo, de outro o personagem social que ele deve encarnar”. (VIDAL, 1992, p.144).
Assim é reconhecido que os grafismos fazem parte de um elaborado sistema de significados e códigos existente dentro da cultura mebengokre, forma de comunicação entre os indígenas, estabelecendo códigos para habilidades presentes no corpo de cada individuo, evocando forças e relação de poder com os grafismos pintados no corpo. Sendo observado uma segunda pele social, personagem social, que este indivíduo vive. Percebendo então, o corpo (forma plástica) e grafismo (comunicação visual), a presença do corpografismo[5] na construção dos movimentos nesta proposição metodológica.
No sentido destacado por Pavis:
“O teatro pode redundar numa dificuldade da antropologia, a saber: traduzir/visualizar os elementos abstratos de uma cultura como um sistema de crenças ou valores, utilizando-se dos meios concretos; por exemplo, ao invés de explicar um ritual, realiza-lo; em vez de dissertar sobre as condições sociais dos indivíduos, mostra-la através dos gestus imediatamente legível” (PAVIS, 1990).
O caminho metodológico denominado como corpografismo acompanha a escolha de grafismos e sua tradução em movimentos por meio de procedimentos artísticos como o exercício “sintonia” no processo de criação e mergulho na etnia mebengokre, encontrando rastros para a criação dos movimentos e suas contribuições na construção de princípios para o treinamento corporal de atores. Este treinamento em nenhum momento quer tornar este mergulho um condicionamento corporal, e sim, possibilitar por meio do ensino de questões no universo da cosmologia indígena, das pinturas corporais e sua analise, a valorização e o fortalecimento da cultura indígena mebengokre. Podendo ser vivenciado e reinterpretado por qualquer neófito a fim do mergulho na experimentação destes princípios.
A escolha dos grafismos partiu da necessidade de estabelecer relação com os três níveis existentes para o domínio expressivo na atuação cênica: nível baixo, médio e alto. Os grafismos identificados fazem relação com animais da floresta. No decorrer da pesquisa e na analise dos vídeos a intenção é identificar e conectar qualidades de movimento dos animais presentes na representação visual (grafismo) pintados no corpo da etnia mebengokre. Qualidades de movimento encontrado nos animais, servindo para a preparação corporal dos participantes do Grupo Ameríndios Mex, como confirma Laban ao dizer que:
“O movimento, portanto, revela evidentemente muitas coisas diferentes. É o resultado, ou da busca de um objeto datado de valor, ou de uma condição mental. Suas formas e ritmos mostram a atitude da pessoa que se move numa determinada situação. Pode tanto caracterizar um estado de espírito e uma reação, como atributos mais constantes da personalidade. O movimento pode ser influenciado pelo meio ambiente do ser que se move.” (LABAN, 1978, p.20).
A necessidade da busca pelo movimento estabelecia ao longo do processo de laboratório com o Grupo Amerindios Mex (GAM) a escuta de processos sensíveis vivenciados no corpo a partir do encontro com a realidade corporal existentes no convívio com diferentes espécies de animais da floresta amazônica. Este contato no qual os indígenas estabelecem com a natureza proporciona ao corpo indígena habilidades corporais presentes em animais da floresta. Esta aproximação era o percurso investigativo que gostaríamos de chegar e vivenciar no corpo tais domínios pré-expressivos que contribuirão para a atuação cênica no mergulho de aspectos étnicos e estéticos da cultura indígena mebengokre.
Figura 1Ao desenhar os grafismos existentes na primeira etapa do projeto Kapran Ok: Pinturas Indígenas de Apexti possibilitou o encontro com o “voo”.
Fonte: Rafael Cabral, 2013.
As mulheres são as únicas a realizar a pintura corporal, elas desempenham esse papel dentro das comunidades Mebengokre. As habilidades técnicas estão presentes nos modos como as nira[6] pegam seus pinceis e desenvolvem cada traço, imprimindo também sua marca, seu estilo. É percebido essa alteração do estilo das pinturas. Uma com habilidades mais desenvolvidas que outras. Lux Vidal analisa em seu livro “Morte e vida de uma sociedade brasileira” o domínio da técnica do qual as mulheres que desenvolvem as melhores pinturas são aquelas que possuem uma quantidade maior de filho outras, pois as crianças são suas telas vivas.
3. Mex: o treinamento
Neste estudo irei incorporar a palavra treinamento à palavra Mex por perceber que a construção de nossa preparação corporal se estabelece com a troca de informações e troca de praticas corporais indígenas, conceito bastante forte e que vai mais além do conceito de treinamento no universo ameríndio mebengokre, estabelecendo o contato com dimensões simbólicas presentes na cultura Ameríndia, trazendo-as para as artes cênicas eprincípios e valores negados durante muito tempo, pelo menos em minha família.
A negação da cultura indígena se estabelece com a não afirmação da cultura que percebo ser muito próxima a cultura paraense. Utilizando-se assim da tradução artística para desenvolver princípios e métodos para o acesso a informações importantes de serem testadas em locais do ensino da cultura indígena e do teatro. Assim Patrice Pavis diz:
“[...] que se utilize o teatro com o instrumento para transmitir e produzir informações sobre a cultura veiculada. O teatro pode redundar numa dificuldade da antropologia, a saber: traduzir/visualizar os elementos abstratos de uma cultura como um sistema de crenças ou valores, utilizando-se dos meios concretos; por exemplo, ao invés de explicar um ritual, realiza-lo; em vez de dissertar sobre a condições sociais dos indivíduos, mostra-la através dos gestus imediatamente legível.” (PAVIS, 2008 p.15).
Usando assim a tradução como confirma na citação acima por Patrice Pavis, traduzo os grafismos (identificados) em movimentos por uma percepção simbólica e afetiva no campo da sensorialidade defendido por Armindo Bião como a categoria da percepção que se distingue de “sensibilidade”, cuja conotação de qualidade, emoção, faculdade perceptiva e reativa e fragilidade é muito forte e distinta do que se pretende compreender como essa nova palavra (BIÃO, 2009).
Assim a sensorialidade do corpo na aplicação do grafismo cotidiano se da no percurso até encontrar os movimentos para a preparação corporal passando por estímulos sensoriais, afetivos e simbólicos dos momentos vivenciados na Aldeia de Apexti e no universo cosmogônico presentes na cultura indígena. Assim como a analise dos traços e formas presentes nos grafismos identificados por esta pesquisa, seleciono qualidades dos animais da fauna amazônica, representados pelos grafismos indígenas Kapran, Krori, Kukoj e Âkre.
É visível em nossas observações dos arquivos (pinturas scaneadas) na primeira etapa do projeto Karpan Ok: Pinturas Indígenas de Apexti, a identificação dos grafismos que estávamos traduzindo em movimentos, relação com os animais da floresta amazônica, sendo desenvolvida nesse momento uma tradução simbólica, afetiva e sensorial dos estímulos vivenciados pelo corpo material e espiritual dentro da aldeia de Apexti. Encontrando nos aportes teóricos referencias relevantes para entender a importância e a complexidade dos significados dos grafismos dentro da aldeia Mebengokre.
Segundo Lux Vida:
“Por intermédio de numerosas publicações e especialmente de fotografias veiculadas pelos meios de comunicação de massa, a arte gráfica desses índios é possivelmente a mais conhecida entre nós. No entanto, o significado profundo dessa ornamentação do corpo, um idioma-codigo expresso graficamente, ainda fica para ser desvendado e entendido em seus próprios termos. Cabe ao etnólogo lê-lo e interpreta-lo no contexto sociocultural a que pertence.” (LUX, 1992, p.143.).
É notório no processo de execução do nosso Mex, durante os quatro meses de realização dos movimentos traduzidos, faculdades perceptivas de concentração, dilatação e atenção no espaço. Cada movimento desenvolve habilidades para o exercício pratico da atuação, tentando resgatar qualidades que permeiam a vida, o bios, presentes na cultura ameríndia, encontradas na aldeia de Apexti, porém percebemos que o desenvolvimento das praticas construídas no Grupo, precisam ser testadas com um maior tempo para podermos derivar outras vivencias e aperfeiçoar nossos princípios investigativos.
O modo como os indígenas utilizam seus corpos para realizar atividades diárias não está descolado de conexões como todo o seu universo cosmológico e mítico, dos grafismos e da relação com a natureza. A utilização de seus corpos para a realização de atividades como pescar, caçar e plantar, está intrinsecamente ligado à praticas executadas desde seu nascimento como nadar, correr, pular, cair. Identificando assim uma construção ordinária do corpo indígena podendo ser utilizado para cena. Em minha analise, essa vida, esse bios para nós, artistas da cena, precisa esta intimamente ligada na percepção de qualidades de movimentos para a cena passando para o extracotidiano. Assim para Eugenio Barba:
“A maneira como usamos nossos corpos na vida cotidiana é substancialmente diferente de como o fazemos na representação. Não somos conscientes das nossas técnicas cotidianas: nós nos movemos, sentamos, carregamos coisas, beijamos, concordamos e discordamos em gestos que acreditamos serem naturais, mas que de fato, são determinados culturalmente. Culturas diferentes determinam técnicas corporais diferentes, se a pessoa caminha com ou sem sapatos, carrega coisas em sua cabeça ou com as mãos beijam com os lábios e com nariz. O primeiro passo em descobrir quais os princípios que governam um bios cênico, ou vida, do ator, deve ser compreender que as técnicas corporais podem ser substituídas por técnicas extracotidianas, isto é, técnicas que não respeitam os condicionamentos habituais do corpo. Os atores usam essas técnicas extracotidianas.” (BARBA, 1995, p.9).
Assim na citação acima mostrar-nos uma alteração de valores presentes nos escritos por Eugenio Barba. Pois é identificada a necessária utilização de praticas cotidianas indígenas necessárias para usarmos na representação. É fato que muitas das praticas observadas encontram-se na memória ancestral dos povos indígenas, praticas que são (re) feitas cotidianamente, como suas ações na pesca, na caça, como também na utilização da pintura como forma de socialização do individuo, passando despercebidas pelos mesmos. Esta aqui a importância que cabe o etnocenologo analisar com as vivencias a partir da observação testadas em seu próprio corpo, praticas que serão “recortadas” para a utilização no palco, na cena e na vida.
Neste momento se tornam conscientes do seu bios cênico. Praticas que são determinadas pela imersão na cultura ameríndia percebendo única e peculiar semelhança com qualidades essenciais para o corpo na cena. Percebendo nesta pesquisa princípios indígenas com o auxilio dos conhecimentos da etnocenologia para identificar qualidades sensórias perceptivas para entender e analisar técnicas corporais indígenas para Mex do ator.
Percebi ao final do processo a necessidade do estudo de um Mex vocal, porem será um desdobramento para trabalhos posteriores, por identificar potencias sonoras nas musicas e notas, que poderão servir para uma preparação vocal do ator para cena a partir do universo aqui investigado.
A utilização da sala de aula como nossa Aldeia é fundamental para evocarmos princípios vivenciados na Aldeia de Apexti, como o reconhecimento do espaço, que serviu para entendermos também qual o local que nossas investigações habitam. Nos encontros com o Grupo, não usávamos o ar condicionado, deixando todas as portas e janelas abertas para que nosso oxigênio fosse o mais natural possível, deixando que raios de sol pudessem entrar em nosso trabalho, conectando a faculdades reativas vividas na Aldeia. Também a fumaça de tabaco no cachimbo foi experimentado em nossos encontros como meio de percepção profunda do corpo e da alma.
O inicio dos nossos encontros sentíamos a necessidade de alongarmos todas as partes do corpo. Em seguida, começávamos a realizar um aquecimento que denominei de “circulo de pykatoti”. Onde todos ficam em círculo sem movimentar as pernas, o corpo balança para um lado e para o outro, alongando as pernas. Logo depois começa o movimento para o lado direito, iniciando com a velocidade lenta, passando para a moderada e depois rápido, ate chegar no ápice da velocidade rápida e começando a decrescer tal velocidade. O movimento se repete quando o corpo chega ao momento inicial do exercício.
Nesse processo fomos construindo juntos os movimentos que servem de princípios para o nosso Mex. A seguir iremos encontrar os movimentos e seus grafismos respectivos. Na investigação tentamos olhar, na criação dos movimentos, a partir dos fatores labanianos de movimento estudado por Rudolf Laban em seu SLA (Sistema Laban de Analise do Movimento).
3.1.Kapran Ok e movimento Kapran.
Kapran significa Jabuti e “Ok” significa pintura em Mebengokre. Esse grafismo é pintado com o pincel de nervura da folha do babaçu. O grafismo Kapran é pintado com traços que formam hexágonos que interligam outros da mesma proporção, criando uma profundidade ao desenho. Os traços levam ao hexágono.
Os grafismos abaixo nos confirmam sua forma e seus traços presentes na analise dos grafismos. Cada um desses grafismos foi realizado por cada nira[7]. É observada uma alteração de traços quando as nira desenham no papel um estilo diferente da outra como podemos observar:
Desenho 08 - Grafismos Kapran Ok, pintura de jabuti. Desenho: 1.Erejanê; 2. Irekabô Djê; 3. Bekwyinhô; 4. Nhakpuroro; 5. Bekwynh-rax; 6. Não identificado;
Fonte: indígenas da aldeia de Apexty, 2013.
Todos os desenhos possuem hexágonos que acompanham traços. Nos desenhos 1 e 5 é identificado uma construção de outros motivos dentro dos hexágonos. No desenho 1 é observado dentro das proporções dos traços o grafismo da anta e do jabuti nas linhas que os ligam. No desenho 5 é identificado dentro dos hexágonos o grafismo do peixe.
Os jabutis são animais que possuem casco convexo, carapaça bem arqueada e pernas grossas. A carapaça é uma estrutura óssea formada pelas vértebras do tórax e pelas costelas. Funciona como uma caixa protetora na qual o animal se recolhe quando atacado.
É possível identificar o desenho quando aplicado no corpo, porém com as alterações sofridas na imagem do desenho. O grafismo no corpo é alterado devido termos estruturas corporais diferentes de individuo para individuo.
Figura 3. Grafismo do Kapran realizado no corpo do pesquisador as margens do Riozinho.
Foto: Edmir Amanajás, 2013.
A imagem acima mostra o grafismo do Kapran em minhas dimensões corporais. Geralmente esse grafismo não é feito no corpo todo, pois demanda tempo e trabalho. É presente nos caciques e indivíduos com nomeação. A fotografia acima foi registrada logo após eu ser pintado, estava impressionado com os detalhes que em alguns momentos aparecia em meu corpo.
Assim meu corpo ia registrando estímulos sensórios e afetivos como o momento da pintura, estímulos estes que desenvolvia em mim princípios como ator para que pudessem ser analisados nesta pesquisa.
O movimento Kapran desenvolve possibilidade de deslocamento utilizando os braços para a mudança de posição do corpo, conduzidos pelos processos respiratórios de inspiração e expiração. Criar tensões e percepção de atividades corporais presentes no domínio pré-expressivo.
O movimento em Kapran partiu da observação de qualidades de movimento presentes no jabuti, por perceber sua precisão ao deslocar-se. O movimento começa com as mãos esticadas em frente à cabeça, olhos direcionados para frente, onde se dar o deslocamento do corpo. As mãos à frente direcionam-se para trás seguindo os traços hexagonais do grafismo do Kapran. As mãos ao terminam próximas a parte lateral do tórax auxiliando no deslocamento do corpo. O movimento em Kapran se desenvolve sempre no nível baixo.
3.2.Krori e movimento Krori.
Krori significa onça na língua mebengokre. A pintura deste grafismo se divide em duas, a pintura de onça no rosto, Nokre Krori, ou no corpo, Catchet Krori. Diferente dos outros grafismos, este não é pintado com o pincel de nervura da folha do babaçu. Esse grafismo é pintado por meio de aplicação da parte de dentro de algumas frutas que possuem o circulo que lembra as marcas presente no corpo da onça pintada. O grafismo é aplicado no corpo respeitando as relações simétricas existentes, frontal, medial e lateral como é identificado nas pinturas.
A onça é um animal carnívoro. Alimenta-se, principalmente, de capivaras, serpentes, coelhos, veados, antas e outros mamíferos de pequeno porte. Come também peixes que ela mesma captura em rios, pois possui a capacidade de nadar. Na imagem abaixo é possível perceber a semelhança do grafismo do Krori com as pintas da onça da Amazônia.
Este indígena esta a um passo de colocar seu corpo no circulo da dança. Ele entrou sozinho, dançou, sorriu. Essa festa foi uma comemoração da finalização da oficina de etnomapeamento acontecido na aldeia de Apexti. Este indígena esta com o grafismo do Krori, percebendo a mesma disposição dos círculos nas dimensões da lateralidade e frontalidade do corpo humano. Esse grafismo não foi pintado no papel.
O movimento Krokipossibilita o domínio do deslocamento da coluna vertebral para os lados, em movimento de torção da coluna, encontrando possibilidades de deslocamento e tensão. O movimento em Krori está localizado no nível médio. A tensão esta presente na região dos braços e pernas, o quadril se desloca acompanhando as mãos, desenvolvimento diferente de equilíbrio e tensão analisados por Eugenio Barba ao observar que:
“Quando caminhamos usamos as técnicas cotidianas do corpo, o quadril acompanham as pernas. Nas técnicas extracotidianas do ator de Kabuki e Nô o quadril, ao contrario, permanece fixo. Para bloquear o quadril enquanto se caminha é necessário dobrar os joelhos ligeiramente e, ajustando a coluna vertebral. Usar o tronco como um bloco, que então pressiona para baixo. Desta maneira diferentes tensões são criadas nas partes superior e inferior do corpo. Essas tensões obrigam o corpo a encontrar um novo ponto de equilíbrio. Não é uma escolha estilística, é uma maneira para gerar a vida do ator. Então, ele se torna, em um segundo momento, uma característica estilística particular.” (BARBA, 1995, p.10).
Assim é perceptível no movimento do krori a tensão muscular, principalmente das mãos e pernas, que são alternados conforme o movimento. O olhar do animal remete a perspicácia do ataque que encontro no olhar preciso dos Mebengokre. O movimento é fluido, sem interrupções. A inspiração e expiração acompanham o deslocamento do corpo em Krori.
A rotação para o lado direito e para lado esquerdo partiu da observação dos movimentos que para mim o grafismo do Krori se fazia presente em minha analise, por perceber os círculos da aplicação do grafismo no corpo ter quebras, que em minha compreensão se liga as quebras da semi rotação do quadril.
Figura 7. O coletivo dos atores no movimento Krori que ativa as articulações dos braços, pernas e quadril.
Fonte: Rafael Cabral, 2013.
É observado nessa imagem apenas o deslocamento de um lado. No movimento Krori essa posição da fotografia acima e presente nos dois lados, direito e esquerdo. O movimento vai deslocando o corpo pelo espaço.
3.3.Kukôj Ok e movimento Kukôj.
Kukoj significa macaco na língua mebengokre. Sua pintura é completa por jenipapo, não sendo observados, os belos traços e marcações presentes nos outros grafismos, começando na região media do antebraço até a região media das pernas. O limite da pintura no pescoço vai até região das escapulas, onde é presente um circulo completo que acompanha o pescoço. Esse grafismo é usado quando os indivíduos vão para uma situação de risco ou para guerra. Este grafismo é muito importante, pois faz relação direta com a etimologia da palavra Kayapo (cara de macaco).
O grafismo do Kukoj (macaco) que comumente utilizam alguns dos indígenas de Apexti, observo uma utilização em situações que eles não se encontram nos limites da aldeia, acreditando que essa pintura possa lhe dar mais força para possíveis batalhas. O grafismo do Kukoj é usado com maior frequência pelos guerreiros, sendo as alterações de seus traços e acabamentos dependendo da nomeação que esse guerreiro recebe ou do seu momento atual.
Essa observação que exemplifico na investigação dos grafismos, a do kukoj chama minha atenção por perceber que esses códigos são simbolicamente incorporados no cotidiano da aldeia de Apexti, sendo o grafismo uma segunda pele social como confirma Lux Vidal ao falar que a pintura corporal sobrepõe uma segunda ‘’pele social’’, constituída de padrões “estandardizados”, exprime simbolicamente a ‘’socialização’’ do corpo humano: a subordinação dos aspectos físicos da existência individual ao comportamento e aos valores sociais comuns (VIDAL, 1992).
Esse grafismo não é pintado com o pincel de nervura da folha de babaçu, geralmente as nira executam esse grafismo mergulhando a mão no jenipapo e passando no corpo do individuo. Na imagem a seguir verifica-se a panorâmica no momento de preparação para a entrada no espaço da dança. A seta revela os indígenas que estão com o grafismo do Kukoj.
O guerreiro em Apexti usa bastante o grafismo do Kukoj em seu corpo, nesse momento todos estão prestes a entrar no circulo da dança, com chocalhos nos pés dando uma sonoridade para a dança. Observando a presença de muitos grafismos Kapran Ok neste momento.
O movimento Kukôjdesenvolve um domínio da qualidade do salto, sendo criado ponto de tensões nas pernas no momento do salto. Os movimentos respiratórios são fundamentais para o deslocamento do movimento, possibilitando qualidades e esforço corporal presentes nos processos de atuação pré-expressiva. O movimento em Kukoj é o único que passa pelos níveis médio e alto.
A tradução do movimento do grafismo Kukoj partiu da necessidade de deslocamento no espaço sem o auxilio do uso normal dos pés, criando conexões observando a dimensão espacial que a pintura no corpo em Kukoj se mostra. Este grafismo não possui traços codificador e pode ser pintado pelos homens, que precisam das habilidades do salto.
A percepção de deslocamentos para frente e o controle do corpo usando a força da gravidade é também observado por Eugenio Barba:
“Outro exercício pode resultar da tentativa de deslocar seu peso para frente, até não se ter controle sobre o corpo. Neste momento, o corpo arrastado somente pela força da gravidade, cai para frente. É necessário encontrar um contra-impulso no meio da queda, que nos permita evitar cair para a frente, amortecendo para o lado, de modo a absorver o choque contra o solo, gradualmente, ao longo do lado do corpo.” (BARBA, 1995, p. 245).
Assim, é necessário para a preparação corporal do ator habilidades como o saltar, usando forças na natureza ao nosso favor, sendo importantes para exercício de habilidades de deslocamento na cena. Como mostra a imagem abaixo, atores do Grupo realizando o movimento em Kukoj com seus saltos.
Figura 9. A primeira pessoa da esquerda pra direita esta posicionada no inicio do movimento.
Foto: Rafael Cabral, 2013.
Figura 10. Max, esta localizado ao meio em sua plenitude do salto, permitido em Kukoj
Foto: Rafael Cabral, 2013.
Em Kukoj o movimento é usado para ajudá-lo a sobrepujar o medo e a resistência, a ultrapassar seus limites, depois, ele se torna um meio de controlar energias aparentemente incontroláveis, de encontrar, por exemplo, os contra-impulsos, necessários para cair sem se ferir ou de plantar no ar o desafio à lei da gravidade. “Acima e além do exercício, essas conquistas encorajam o ator: mesmo que não faça isso sou capaz de fazê-lo. E no palco, por causa do seu conhecimento, o corpo torna-se um corpo decidido”” (BARBA, 1995). Isso confirma, pois no inicio é notado o medo de saltar da atriz Amália Santos, pois segundo ela, esse movimento lhe recordava um queda que sofreu quando era criança, lhe impedindo de saltar. Conforme o desenvolvimento do Mex, ela conseguiu ultrapassar o medo do salto, executando belíssimos saltos, confirmando assim a potência do treinamento.
3.4.Àkrê Ok e movimento Âkrê.
A pintura do Âkrê Ok é pintada com jenipapo, porem se utiliza do pincel de nervura da folha de babaçu para fazer os traços retos de contorno da pintura que é feita a mão. No momento da pintura pude observar os traços que dividiram o corpo em duas partes, primeiramente, passando o jenipapo na parte frontal, fazendo um traço que começa na região do tórax e termina na região da crista ilíaca. São realizados traços ao longo da lateral do corpo, tanto na região superior quanto inferior do corpo, com a mão coberta de jenipapo, para depois ser traçado as linhas que ligam aos ombros, aos braços e antebraços, criando um formato de asa de ave.
Quando os braços são balançados para cima e para baixo é possível ver a pintura criando movimento em uma perspectiva impressionante. Em seguida é realizado com o dedo indicador os pontos da pintura. O pescoço é pintado até o começo da região do pescoço, criando um circulo em volta do mesmo. Essa pintura como as demais, termina na parte media do antebraço e parte media da perna.
É possível observar nessa imagem um estilo próprio de Erejane, pois ela utiliza tanto a pintura á mão como com o pincel de nervura. No momento da pintura foi pedido por mim para que esse grafismo pudesse ser desenhado.
As Praticas e Comportamentos Humanos Espetaculares Organizados (PCHEO) me deram o olhar para analisar praticas afirmativas de descoberta da minha ancestralidade, agora traduzidas para princípios do treinamento corporal do ator. A imagem abaixo presentifica no corpo de um ator, um momento fundamental na compreensão da arte não distante do cotidiano, como olham os Mebengokre, auxiliando esse momento vivenciado para as reflexões e analise de materiais que a pesquisa se debruça a investigar.
As fotografias em sequencia acima demonstram a passagem do tempo na pintura em Âkre Ok. Esta pintura demanda tempo e dedicação para que ela fique com a perspectiva exata das asas do gavião.
O movimento do Âkrêdesenvolve um domínio preciso da respiração e do movimento do diafragma. O corpo interage com direções no percurso do movimento, dilatando no ator noções de dimensão espacial.
O movimento em Âkrê parte da observação de qualidades de voo do animal que o grafismo representa. Os braços representam suas asas que levantam e descem ao lado do corpo, seguindo a expiração e inspiração, respectivamente. Os movimentos respiratórios foram observados a partir dos pontos presentes nos grafismos em Âkrê. Este movimento está localizado no nível alto e seu deslocamento no espaço acompanha a direção do olhar, sendo o corpo deslocado com o desequilíbrio para frente do corpo, analogicamente, a ave caindo para frente e alçando voo.
Este movimento faz com que o ator obtenha uma compreensão precisa nos movimentos respiratórios, se utilizando deste movimento para a compreensão do corpo no espaço. Os braços sobem e descem acompanhando a inspiração e expiração, deslocando o corpo no espaço, com um passo para frente que lhe leva a um desequilíbrio no corpo para frente. Este desequilíbrio esta na direção do olhar no espaço.
4. Os Fatores de Movimento em Kapran, Kukoj, Krori e Âkrê
Analisados esses aspectos no treinamento, em seis meses de vivencias e trocas com o GAM – Grupo Ameríndios Mex, sintetizo no quadro abaixo os princípios fundamentais que caracterizam a dominante corporal dos animais a partir dos fatores de movimento estudados por meio do SLA (Sistema Laban de Analise do Movimento).
Esquema 03 - Cada grafismo possui rastros do animal no movimento Mex que caracterizam cada movimento para o ator.
Fonte: Rafael Cabral, 2013
O intérprete deve conhecer os esforços, mas, além disso, deve poder altera-los conscientemente, mudar suas qualidades, ou seja, o modo segundo o qual é liberada a energia nervosa, por uma modificação dos componentes do movimento: peso, espaço, tempo e fluência; que, por sua vez, aliam-se a uma atitude interior consciente ou inconsciente (MACHADO, 2002). Segundo a autora, essas características de esforço podem ser desenvolvidas, modificadas e treinadas, já que dizem respeito também à relação estabelecida com o meio ambiente, com os outros homens, como nas Aldeias Mebengokre, onde encontro características peculiares e os fatores de movimento (peso, espaço, tempo e fluência) se comunicam no percurso da vida na floresta, no corpo dos Mebengokre e agora no meu. A riqueza e a própria diversidade dos esforços humanos são a própria fonte de sua dramaticidade, que podem ser fortalecida através de um treinamento sistemático e objetivo (MACHADO, 2002).
Entendendo que movimento é uma resposta ativa a massa muscular, por uma reação em cadeia que percorre o corpo de um ponto a outro. Essa ativação pode gerar um deslocamento visível no espaço, ou, caso não se produza conformar uma resposta aparentemente estática (BRIKMAN, 1989). Para Brikman o importante é o que o movimento deva ser uma resultante de uma atitude muscular receptiva, de um estado de tonicidade muscular. Assim observamos no Mex todos os movimentos desenvolvendo pontos de tensão, levando à tonicidade de regiões do corpo peculiar de cada animal investigado.
Esta investigação deu-se na tradução de movimentos exteriores, facilmente observável no corpo quando ativado musculaturas periféricas facilmente identificadas. Talvez em etapa posterior investiguemos mais detalhado os movimentos interiores ainda pouco visíveis, ativando massas musculares mais profundas.
Nos princípios labanianos a qualidade do movimento deve-se mencionar a quantidade de energia que o corpo deve empregar para realizar certo esforço. Esse esforço se cumpre em certo tempo e em um espaço particular e resulta em ações básicas. Assim os movimentos com são realizados no Mex podem ser alterados por qualquer praticante que possa enxergar como potentes as qualidades dos animais identificados por essa investigação, por meio dos grafismos Mebengokre. A sua contribuição poderá, então, modificar aspectos presentes no quadro analisado anteriormente. Modificando tais qualidades o ator poderá produzir infinitas outras qualidades de movimento que ele próprio irá combinar.
Constatei no decorrer desses seis meses de encontro uma sensível modificação corporal, tonicidade dos músculos observado nos atores do Grupo, porem não analisado nesta investigação, percebendo também, uma disposição corporal maior dos participantes no decorrer do Mex. Acredito que esta vivencia e reflexão na etapa objetivada nesta pesquisa sinaliza o começo de um rastro que me levará a outros encontros, possíveis achados e grandes conquistas como ator e pesquisador imerso no universo ameríndio do Xingu na construção do conhecimento em Artes Cênicas.
A construção de princípios para o treinamento corporal para atores não é recente. Vários pensadores e grupos pelo mundo desenvolvem técnicas que permearam pelo Brasil ou pelo mundo praticas que nortearam seus fazeres e de outros grupos. Evidentemente esta pesquisa não é o único modo de preparação corporal para atores, porem é desconhecido, um treinamento para atores que partiu de pressupostos simbólicos e afetivos da etnia Mebengokre.
Na tradução dos quatro movimentos (Kapran, Kukoj, Krori e Âkrê) partindo dos grafismos indígenas, encontrei caminhos metodológicos em referencias como Lux Vidal para elaborar novos princípios, para a preparação física de atores. Podendo ter como desdobramentos a investigação de potenciais sonoros presentes nas musicas dos Mebegonkre sendo usado como treinamento vocal para atores. Derivações daí advindas pretendo investigar em futuros trabalhos. Sendo necessária a construção de uma nova linguagem que se faz através do uso de experimentos técnicos e praticas a partir do universo ameríndio do Xingu. Renovando com sua poética, seus jogos de cores, ilusões de belíssimas imagens e grandes emoções a pesquisa em artes cênicas.
Os grafismos são representações simbólicas na cultura indígena. Qualidades de movimento animal presentes em nossa tradução, potentes para entendermos questões relacionado a questão indígena na Amazônia. Neste sentido traduzimos os grafismos em qualidades de movimento de animais, análogo aos grafismos escolhidos, com o objetivo de comunicar os princípios éticos e estéticos da cultura indígena mebengokre. Sendo de grande importância para professores de modo geral se apropriarem do percurso desta tradução ou recria-la.
As contribuições epistemológicas da etnocenologia e da antropologia estética foram de grande importância para a criação deste trajeto. Os princípios para o treinamento corporal de atores, em nenhum momento pretende condicionar a potencia corporal criativa, e sim, possibilitar o encontro de novas práticas corporais, incentivando a reinterpretação, favorecendo outras formas do fazer artístico nas possibilidades de domínio do corpo na cena.
REFERÊNCIAS
BARBA, Eugenio. A arte secreta do ator. Campinas: Editora da UNICAMP,1995.
BIÃO, Armindo. Artes do corpo e do espetáculo: questões de etnocenologia. Bahia: P&A, 2007.
BIÃO, Armindo. Colóquio internacional de Etnocenologia. Bahia: Fast Design, 2007.
BIÃO, Armindo. Etnocenologia e a Cena Baiana: textos reunidos. Bahia : P&G Grafica e Editora, 2009.
BRIKMAN, Lola. A linguagem do movimento corporal. São Paulo: Summus, 1989.
CABRAL, Rafael. Amerindios Mex: Um estudo do treinamento corporal a partir dos grafismos de animais sagrados para etnia mebengokre da aldeia de Apexty. Universidade Federal do Pará, 2013.
COHEN, Renato. Work in progresso na cena contemporânea. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1998.
HAMÚ, Denise. Ciência Kayapó. Belém: Museu Paraense Emilio Goeldi, 1992.
LABAN, Rudolf. Domínio do Movimento. São Paulo: Summus editorial, 1978.
LAGROL, Els. Arte indígena no Brasil. Belo Horizonte: C/ Arte, 2009.
LUKESCH, Anton. Mito e vida dos índios Caiapós. São Paulo: Pioneira, 1976.
MACHADO, Sonia. Papel do corpo no corpo do ator.São Paulo: Perspectiva, 2002.
PAVIS, Patrice. Teatro no Cruzamento de Culturas. São Paulo: Perspectiva, 2008.
RIBEIRO, Darcy. Índios e a Civilização. 3.ed. São Paulo: Vozes, 1979.
TREVISAN, Renato. Dicionário Kayapo. Brasília: FUNAI, 1991.
VIDAL, Luz. Grafismos Indígenas: estudos de antropologia estética. São Paulo: Edusp, 1992.
VIDAL, Luz. Morte e vida de uma sociedade brasileira. São Paulo: HUCITEC, 1977.
[1] A aldeia de Apexty está localizada no município de São Felix do Xingu, nas margens do Rio Fresco.
[2] Ocorre neste momento uma diminuição de aspectos simbólicos reinterpretados por outros indivíduos no percurso da diferença e não da diversidade, mostrando a cultura folclorizada aspectos que não são necessariamente os processos de organização simbólica da cultura-fonte.
[3] Grupo Ameríndios Mex (GAM)
[4] Para Rudolf Laban as qualidades de movimentos são “os componentes constituintes das diferenças nas qualidades de esforço que resultam em uma atitude interior (consciente ou inconsciente) relativa aos seguintes fatores de movimento: tempo, espaço, peso e fluência”
[5] A criação deste conceito partiu do estudo da obra “Antropologia estética” de Lux Vidal, onde a autora destaca corpo (forma plástica), grafismo (comunicação visual). Unindo assim estas duas palavras para criação do conceito de corpografismo, no mergulho em praticas corporais por meio de qualidades de movimentos identificado nas pinturas corporais mebengokre análogos à qualidade de movimento animal.
[6] Significa mulher na língua Mebengokre.
[7] Significa “mulher” na língua mebengokre.