O ensaio fotoetnográfico que expomos a seguir surgiu de nossos diálogos e andanças pelo bairro da Campina, objetivando um exercício do olhar provocado nas aulas ministradas pela Professora Denise Machado Cardoso na Disciplina Antropologia visual e da imagem, disciplina que ocorreu no PPGSA do IFCH – UFPA de maio à Junho de 2015. As fotografias foram realizadas em duas visitas que fizemos ao atelier pesquisado.
O Corredor Polonês Atelier é um atelier em processo que fica localizado à Rua Genaeral Gurjão, 253, no bairro da Campina, outrora o Segundo Distrito da cidade de Santa Maria de Belém do Grão-Pará, na esquina da Travessa Ferreira Cantão antigamente conhecida como Travessa do Bailique, onde a famosa Turma da Bailique se reunia para defender as “meninas” do chamado “Quadrado Maldito” de clientes inconvenientes e outros valentões que viviam rondando a área.
O “Quadrado Maldito” é a quadra formada pelas confluências da Rua Riachuelo, Travessa Primeiro de Março, Rua General Gurjão e Travessa Padre Prudêncio, lugar onde as casas de pensões, conhecidas como pensões alegres e os bordéis proliferavam, por isso, um bairro mal afamado, pois no imaginário social da cidade, esse era e em certa medida ainda hoje é visto dessa maneira por uma parcela considerável da população, um bairro de putas, ladrões, batuqueiros, macumbeiros, drogados, marginais, porém, mais marginalizados do que propriamente um bairro de marginais. Daí as casas de famílias, trazerem na porta da rua uma plaquinha com a palavra FAMILIA inscrita, para que os boêmios e outros a procura de diversão não batessem em porta errada e evitasse constrangimentos.
Procuramos retratar aquilo que consideramos importante no processo de construção imagético e criativo desenvolvido pelo artista em seu atelier, por isso, também optamos por dispor as imagens que registramos como um passeio pelo lugar. Nesse sentido procuramos considerar em nosso ensaio a possibilidade lúdica de criar imagens fotográficas que dialoguem com uma antropologia imagética (ROCHA, ECKERT, 2015), sendo assim, acreditamos, pois, que, “[...] Cada gesto, cada marca, cada rastro é imagem que desperta na memória dos interlocutores na experiência etnográfica”, como nos mostram Rocha e Eckert (2015, p.32).
Nesse sentido, o que buscamos na imagem não é aquilo que se fecha em si, mas sim uma abertura, uma bifurcação que nos permita adentrar cada vez mais na sua expansão, na sua imaginação, essa antropologia lúdica no sentido de uma liberdade translucida do processo que se descortina diante do ser. O que propomos com este breve ensaio é, pois, o “[...] emprego da antropologia visual enquanto um recurso narrativo autônomo na função de convergir significações e informações a respeito de uma dada situação social” (ACHUTTI, 1997), assim como o proposto por Achutti em sua fotoetnografia.
Este trabalho surgiu primeiramente como processo mental, no plano da nossa imaginação, em diálogos silenciosos e profundos. Aqui tudo começa no “atelier mental”, tal como nos expressou o artista KROM, onde o K de Karlo seu primeiro nome se junta ao ROM de Rômulo e lhe possibilita já aí o jogo lúdico, a brincadeira. Ao se referir à ideia de um atelier mental, o mesmo nos diz que tudo o que faz surge dessas imagens, potencializadas em sua memória, acionadas pela sua imaginação criadora. Sendo assim, optamos, pois, por trabalharmos um roteiro de imagens que começaram a ser suscitadas, pelo nosso imaginário, dentro de nosso atelier mental e ganharam força e forma com nossa reflexão e objetivos e tornaram-se, então imagens em cores vivas que não se encerram em si, mas nos ampliaram o olhar para a vida e sua dinâmica. As imagens aqui pensam. O que almejamos, portanto, é entender como, tal como nos provoca Samain (2012). As imagens têm vida.
O ensaio fotoetnográfico que se segue procurou, portanto, evidenciar aspectos consideravelmente relevantes para que possamos compreender de fato as poétiqas de um atelier, propondo assim um caminho que se entrega a uma poétiqa antropológica da imagem. As imagens da rua evocam aí um aspecto memorial, acionado pelo artista em sua produção, já que é em suas próprias experiências, vivências e leituras que o mesmo bebe para assim criar imagens, cantos, sons, poétiqas e objetos que somados a estas memórias e histórias nos ajudam a ler nas fotografias todas estas “almas roubadas” e libertas ao mesmo tempo. O atelier e seus objetos, brinquedos, instrumentos, ferramentas, esculturas, gravuras, fotografias, arquivos e obras descortina-se diante de nossos olhos e imaginação suscitando imagens sem fim. Novamente a rua se abrindo para o nosso encontro. Nosso ensaio fala de uma obra que se faz inteiramente viva: O atelier, sua poétiqa e o seu processo de vivência do lúdico imaginar-fazer-brincar do Corredor Polonês.