Silvia Carla Marques Costa [!]

Imagem Fenômeno e diálogo Visual: conexões de pesquisa *


Resumo

A reflexão contida neste artigo vem discutir o uso de imagens produzidas em campo de investigação e encontradas estampadas nos muros da cidade. Como artefatos culturais, elas revelam experiências vividas como arquivos vivos. A discussão construída traz inferências reflexivas sobre espaços da cidade como existência e arte como lugar, que se articulam por imagens fenômeno e se oferecem como encontros mediadores de comunicabilidades flexíveis. Neste sentido a produção de imagem possibilitou a organização e conexão com seu uso para além do embelezamento estético e ilustrativo, e sim pela comunicação com o universo visual da imagem fenômeno. Estes posicionamentos instaurados pelos referenciais da antropologia visual e dos estudos visuais auxiliam na apresentação de breves posicionamentos da captura de imagens que articularam percepções e projeções multissensoriais, na cidade de Macapá, campo empírico da investigação. Este processo organizou as categorias analíticas relacionadas a formas de perceber, problematizar e compreender a vida na Amazônia.


Palavra-chave: Pesquisa com imagens, Cidade como existência, Arte como lugar.

Image, Phenomenon and Visual Dialogue: Search Connections


Abstract

The reflection contained in this article comes to discuss the use of images produced in the field of investigation and found stamped on the walls of the city. As cultural artifacts, they reveal lived experiences as living archives. The constructed discussion brings reflective inferences about spaces of the city as existence and art as a place that are articulated by phenomena and are offered as flexible mediators of communicability. In this sense the production of image allowed the organization and connection with its use in addition to the aesthetic and illustrative embellishment, but by the communication with the visual universe of the image phenomenon. These positions established by visual anthropology and visual studies help to present brief positions of image capture that articulated perceptions and multisensory projections in the city of Macapá, an empirical field of research. This process organized the analytical categories related to ways of perceiving, problematizing and understanding life in the Amazon.


Keywords: Research with images, City as existence, Art as place.

Imagen, Fenómeno y diálogo visual: conexiones de búsqueda


Resumen

La reflexión contenida en este artículo viene a discutir el uso de imágenes producidas en el campo de investigación y encontradas estampadas en los muros de la ciudad. Como artefactos culturales, revelan experiencias vividas como archivos vivos. La discusión construida trae inferencias reflexivas sobre espacios de la ciudad como existencia y, arte como lugar que se articulan por imágenes fenómeno y, se ofrecen como encuentros mediadores de comunicabilidad flexibles. En este sentido la producción de imagen posibilitó la organización y conexión con su uso más allá del embellecimiento estético e ilustrativo, sino por la comunicación con el universo visual de la imagen fenómeno. Estos posicionamientos instaurados por los referentes de la antropología visual y de los estudios visuales auxilian en la presentación de breves posicionamientos de la captura de imágenes que articularon percepciones y proyecciones multisensoriales en la ciudad de Macapá, campo empírico de la investigación. Este proceso organizó las categorías analíticas relacionadas con formas de percibir, problematizar y comprender la vida en Amazonia.


Palabras clave : Investigación con imágenes, Ciudad como experiencia y Arte como lugar.



Imagem Fenômeno e diálogo Visual: conexões de pesquisa










Esclarecendo alguns pontos

A discussão construída neste texto traz inferências reflexivas sobre a inserção das produções de imagens e ações artísticas nos espaços da cidade, envolve ideias e posturas a partir da compreensão de que o espaço da cidade como existência, e arte como lugar, se articulam por imagem fenômeno e se oferecem como encontros mediadores de comunicabilidades flexíveis.

As reflexões foram tecidas por uma perspectiva etnográfica que instiga a compreensão de uma climatologia[1] do espaço estudado, espaço da cidade que descobre geografias multissensoriais que afeta os sentidos. Assim, encontrar produções estampadas, desenhadas nos muros da urbe faz pensar que tais imagens sejam não só ilustrações, mas artefatos culturais que nos levem a pensar e perceber as interações de tempo e espaço e que podem acionar categorias de análises para a reflexão sobre como as pessoas fazem a cidade.

Foi, portanto, nesta compreensão de uma climatologia do campo de pesquisa, que a categoria cidade se evidenciou, especialmente quando considerei que este espaço, além de ser um laboratório polifônico, vivo e mutante, é um teatro de imagem (LA ROCCA, 2010). No tocante às imagens artísticas que me deparei na cidade de Macapá/AP, campo empírico da pesquisa realizada no Programa de Sociologia da Universidade Federal do Ceará UFC, compreendi que elas não poderiam ser pensadas com especificidade estética ou de cunho de ativismo social. Neste sentido, além de situar as imagens em um determinado espaço à procura de ouvir os produtores desses artefatos, evocando suas trajetórias culturais e a articulação de momentos vividos por eles na Amazônia, considera que as imagens articulam posicionamentos mais complexos e que insinuam mundos que não estão visíveis e que certamente problematizam e agenciam novas formas de pensar. fazer e articular posicionamentos políticos de ocupar a cidade.

Posso considerar que à máquina fotográfica como aliada, enredada pela intenção etnográfica, se juntaram as inquietações quase ingênuas: o que aquelas imagens dizem da cidade. Esta possibilidade fez com que a dimensão de pesquisadora iniciante, e com o uso do equipamento visual me fez percorrer outras reflexões sobre o uso da imagem em pesquisa, quanto o fazer dessa produção, motivações de se colocar como criadora, dimensões, percepções adensadas pelo horizonte de uma poética dos sentidos. Este último aspecto vem balizado pela compreensão da antropologia visual e dos estudos visuais[2].

Destaco que o encontro com imagens na cidade, e a produção de imagens por meio da captura dessa climatologia, tem em conta compreensões mais inventivas de pesquisa, premissas reflexivas que ajudam a compor um quadro mais amplo sobre tornar-se pesquisadora, bem como (re)pensar a cidade para além de funcionalidades, e a arte para além do embelezamento e ativismo social.

Para finalizar o encontro entre imagem e pesquisa, discussão que é cara e emergente para a antropologia visual e nas artes visuais na contemporaneidade, este encontro teórico e conceitual que realizei neste texto, torna-se importante, sobretudo quando nos leva a pensar e a construir referenciais mais plurais, inclusivos e flexíveis, sobre como usar imagens em pesquisas acadêmicas científicas.

Encaminhamentos investigativos e o uso de Imagens

O caráter de imersão reflexiva com imagens surge como concentração emergente no cenário contemporâneo de pesquisa. Um cenário de percepções plurais que requer problematizações e abordagens para uma clareza de metodologias e análises conectadas ao fazer/saber antropológico e, a produção de imagem. Isso tudo enseja uma reorientação de acesso ao universo complexo das imagens com as realidades sociais situadas que a pesquisa se insere.

Na atualidade, o uso de imagens, devido à facilidade dos aparatos tecnológicos de captura, tanto fixa quanto em movimento, seduzem pesquisadores, e não é raro encontrá-los utilizando-as nas pesquisas em antropologia. Contudo, para alguns, a complexidade desse envolvimento geralmente não corresponde aos propósitos científicos de objetividade e subjetividade. E é neste ponto, talvez, que ainda resida o obstáculo mais corriqueiro para não considerá-las como um potente objeto de discussão e de aprofundamentos reflexivos para além das ilustrações e registro de campo, mesmo que na trajetória da produção acadêmico-científica este dispositivo tenha sido frequentemente usado.

Dentre os exemplos mais conhecidos que utilizaram imagens na esfera da antropologia, os estudos de Malinowski e, posteriormente, com mais expressividade, os incentivos convocados para o uso da imagem, por Margaret Mead e Jean Rouch, mesmo causando estranheza na época, são atualmente referências expressivas sobre a condição da inserção da imagem no trabalho de campo. Seus apelos foram contundentes, mas infelizmente, com o passar dos anos, foram relegados ao esquecimento e à permanente ideia de uma suposta hierarquização entre escrita e imagem. Considero, com muito pesar, que esses esquecimentos não tão neutros ocasionaram perdas significativas no debate acadêmico, e que ainda refletem-se nas discussões e uso das imagens, fazendo com que o protagonismo reflexivo e analítico nas pesquisas com o uso da imagem venha perdendo espaço em detrimento da escrita.

Este reflexo é nitidamente visto, infelizmente, pois não é difícil encontrar, ainda hoje, argumentos que desconfiam do uso das imagens, especialmente quando o pesquisador, ao utilizar o mecanismo tecnológico para captura de imagens, em vista a considerar o posicionamento metodológico, esvazia-se quando afirma que apenas se pode teorizar o que se vê. Esse entendimento faz com que a ação da captura da imagem, o recorte e a escolha do cenário do pesquisador, se localize apenas como aquele que confere sua estada em campo. E as imagens produzidas são transferidas para a pesquisa ou o texto final como ilustrações do campo, desconsiderando toda a sua expressividade comunicativa.

Em contraposição à ideia da supremacia da linguagem escrita, em detrimento das imagens como um processo de comunicação mais efetivo, Samain (2012) nos adverte e é otimista quando se refere ao uso propício de imagens nas pesquisas, em vista a um maior alcance à compreensão de outras realidades que, de outro modo, não seria possível acessar. A imagem impulsionaria outras estruturas sensoriais do humano. O autor é incisivo quando diz que “não é somente possível como necessário livrar-nos dessa epistemologia da comunicação que ignora, enquadra e reduz a indizibilidade e a riqueza polissêmica do sensorial humano” (p. 17).

Felizmente, nas práticas atuais de pesquisa, há argumentos muito expressivos e esforços qualitativos quanto à utilização e continuidade de uso de imagens. Sinalizam-se caminhos plausíveis quanto ao seu uso não só metodológico, mas aposta-se na potencialidade de que, com e através delas, podemos acessar e compreender as realidades sociais. Nesse sentido é possível perceber as imagens como uma forma especifica de comunicação e não de linguagem; isso leva em conta a diferenciação e a especificidade dos diversos meios que as conectam, e os desdobramentos perceptivos e inventivos do pesquisador com as abordagens atuais da antropologia visual[3].

Tenho em perspectiva que o destaque quanto ao uso de pesquisa com imagens ainda seja considerado como ato fotográfico, atribuído à representação de uma realidade, e que o aspecto ilustrativo e o registro ainda sejam aspectos sedutores desse envolvimento com o instrumental tecnológico da câmera fotográfica. É preciso um engajamento reflexivo de outra ordem quando tomamos este ato em pesquisas cientificas. A reflexão apontada por Sylvia Caiuby Novaes no ensaio “O silêncio eloquente das imagens fotográficas e sua importância na etnografia” vem reconsiderar este uso das imagens nas pesquisas atuais e, neste destaque, procurei novos insigths epistemológicos para abordar o uso de imagens na pesquisa que desenvolvi para uma tese de doutoramento. Este processo se deu a partir de um descolamento do olhar fotográfico para além de seus contextos de origem e de autoria, para buscar novos sentidos de uso, entre eles considerar uma poética social vinculada a uma proposição etnoartística de captura e inventividade de imagens que não estão ali para representarem, mas para comunicarem ideias para poder pensar o improvável.

Esses novos usos correspondem à invenção de novas formas narrativas, capazes de evocar, suscitar e provocar ideias, diálogos e percepções sobre a vida social de quem é, e do que se observa. Para tanto, a dimensão etnopoética de acesso aos saberes rumo a uma poética social é o desafio primeiro para esta compreensão suscitada pela antropologia visual, sabendo que o campo de pesquisa incorre em atravessamentos múltiplos de pontos de vista que requerem incluir a imagem na forma como pensamos, e que nos leva a interpretarmos o mundo.

Estas mudanças, tanto do posicionamento do pesquisador quanto da sua relação com o campo, e o uso da imagem como produção de dados, vêm em consonância com as perspectivas de uma antropologia dos sentidos ou uma prática da teoria que é apresentada e detalhada por Herzfeld (2014) na seguinte descrição:

A premissa fundamental que subjaz um conceito de uma ‘antropologia dos sentidos’ é que a percepção sensória é um ato cultural e também físico: visão, audição, tato, gosto e cheiro não são somente meios de apreender os fenômenos físicos, mas também são avenidas para a transmissão de valores culturais (p. 296).

Assim, entendo que as imagens produzidas no campo de pesquisa envolvem uma diversidade de sentidos vivenciados pelo pesquisador que, ao capturar o cenário, a paisagem, a cena ou a climatologia de uma situação, evoca a dinâmica cultural do vivido, sobretudo quando se deseja conhecer e ter acesso a uma “poética social” (p. 78), às dinâmicas do contexto e da trajetória de vida singularizada dos sujeitos. Isso implica em que capturar a imagem considerando a poética social é não ver tão somente o óbvio ou o aparente, e que, embora atrelado ao real, este é um movimento em processo continuo do rico jogo de muitas observações que envolvem as múltiplas histórias em processo relacional entre campo, interlocutores e pesquisador e envolve, sobretudo, percepções, sentidos e sensações do vivido.

Diante de tal perspectiva, os novos usos da imagem para a pesquisa, e o entendimento na conjugação abordada pela Antropologia Visual e Estudos Visuais, articulam-se e ampliam-se argumentos das e com as imagens. Imagens são arquivos vivos de um tempo, que oportunizam pensar com elas e não somente sobre elas. Noções que a concebem como uma montagem constituída de elementos heterogêneos, sensórios e de tempos sucessivos.

Falar de imagens implica uma conexão com grande carga de posicionamentos e ideias, pois elas são “portadoras de pensamentos e como tal nos fazem pensar” (SAMAIN, 2012, p. 14). Portanto, os materiais produzidos em campo, além de dados, são referenciais que nos ajudam a pensar. Diante de tal estímulo para pensar com imagens na pesquisa, elas não deveriam ser negligenciadas no exercício acadêmico científico ou tratadas como meras possibilidades de coleta de dados, e sim como um processo que coloca o pesquisador como protagonista da participação efetiva no campo, assim como um inventor e articulador reflexivo do campo. Este momento é um “ato de invenção”, como considerou Wagner (2001), de modo que a imagem surge como um meio de conhecer, apresentar e mediar este ato criador, articulando ou projetando particularidades e singularidades dos sujeitos e de suas culturas, levando em conta, sobretudo, a sua própria dimensão de fazer e construir uma interpretação.

Ao produzir imagens no campo de pesquisa, além de estar atenta às constâncias e tensões entre o momento flagrante e a criação poética do social, que envolve a convenção e a invenção, procurei estar ciente que tais produções não almejam a categoria artística. Embora considerando que as imagens como artefatos culturais se explicitam por misturas de informação, acaso, estética e intenção articulada por uma postura etnoartística, de modo que as imagens produzidas em campo de pesquisa são excelentes modos de acessar, abraçar e compreender os fenômenos do social, especialmente quando se tem no plano das formas sensíveis o seu significado mais profundo.

Foi, portanto, levando essas tensões para o processo de pesquisa, que realizei a produção de dados com o auxílio da máquina fotográfica, e produzi umas centenas de imagens, e me veio a necessidade de discutir este processo por outros posicionamentos. A minha formação em Artes Visuais, sem sombra de dúvida, me convocou para esta discussão, e o encontro com a área da sociologia promoveu diálogos férteis, pois, além de possuírem profundas relações, argumentos epistêmicos e metodológicos da antropologia que se cruzam, convergem e redimensionam os ‘usos’ da imagem para além de mero recurso ilustrativo, pois foi importante a base conceitual para pensar e fazer pesquisa com uso de imagens.

Assim, ir a campo, capturar imagens, ouvir, sentir e observar a dinâmica das ações artísticas na cidade de Macapá foi a primeira atitude para acessar a poética social e, inspirada pela ideia de Roy Wagner, quando se busca a invenção de uma cultura situada como pesquisadora que cria, aventurei na produção de imagens como fonte de criar e inventar o espaço da cidade, considerando a existência sensorial de viver e fazer o campo de pesquisa.

De igual modo, ao me deparar com imagens artísticas no ambiente da cidade, e por entender que elas não são a representação da realidade e sim processos de ocupação e de produção de sentidos sobre o lugar, pude apreender que elas, as produções artísticas, são sujeitas às tramas da experiência, adquiridas em momentos distintos da trajetória dos sujeitos sociais e, possivelmente, expressam reflexões sobre o vivido, levando em conta, sobretudo, as temporalidades singulares dessa experiência.

Neste propósito sensível e reflexivo, me apropriei da produção de imagens e seus tributos simbólicos, permitindo olhar e articular cores, sentir texturas, experimentar arquiteturas, e (re)localizar a ação de pesquisadora no espaço da cidade, quando se está em busca de produção, muito mais que de registro, mas com imagens que se articulam com aspectos sensíveis e cognoscíveis do processo de fazer pesquisa. Nesse processo contínuo e envolvente de captura de imagens, cheguei ao campo devagar e, com cautela, busquei ângulos e recortes de cenas que, através de cliks da objetiva, pudessem compor um arquivo visual que considerasse tanto o domínio estético quanto epistemológico de investigação das e com as imagens.

Foi com este argumento que imprimi e trouxe para a pesquisa de campo que realizei, nos anos de 2014 e 2015, a composição do diário visual. Esta composição se constituiu num caminho de insinuações, possibilidades reflexivas para sentir e acessar a realidade social, especialmente quando se deseja questionar o fazer e o viver investigativo num ambiente provisório, polifônico e de fluxos de uma construção da climatologia e de uma biografia da cidade.

A imagem fenômeno: Arte como lugar e Cidade como existência

A possibilidade de enxergar as imagens como seres viventes, perspectiva teórica de Etienne Samain (2012), além de nos libertar da lógica da representação, nos abre horizontes e possibilidades para um estudo da antropologia visual das e com as imagens. Esta direção contribuiu substancialmente para que a minha investigação pudesse se desenvolver considerando que as imagens são “poços de memórias e focos de emoções, de sensações, isto é, lugares carregados precisamente de humanidade” (p. 22). Foi, portanto, a partir dessa orientação, que enveredei pelo caminho de produção visual na pesquisa, em especial para entender a cidade como existência.

Assim, tanto as imagens produzidas por mim no campo de pesquisa, quanto a captura de imagens encontradas estampadas nos muros da cidade, fazem com que o entendimento desse material visual venha a ser compreendido como artefatos culturais, uma vez que me permitiu a “reconstituição da história cultural de grupos sociais, bem como um melhor entendimento dos processos de mudança social, do impacto das frentes econômicas e da dinâmica das interações interétnicas” (CAIUBY NOVAES, 1998, p. 116). Ou seja, o uso de imagens com outra possibilidade de uso, especialmente no tocante ao acesso aos saberes dos sujeitos e à elaboração de processos analíticos de pesquisa com o espaço da cidade.

Em relação à ação de pesquisadora em campo, quando investida pela produção visual ou a produção de dados com imagens, via a observação e a captura de imagens de uma situação específica no espaço da cidade, especialmente buscando uma climatologia deste cenário, no qual a cidade passa a possuir uma existência inscrita nas imagens produzidas pelo pesquisador, de modo que a existência se modela, se formata e se cria, não em relação a utopias de libertação neste espaço, mas a pequenas liberdades, fissuras inventivas e de agência.

Considerar a cidade como existência pressupõe possibilidades de estabelecer relações. E no caso desta pesquisa, as relações são mediadas por imagens. Imagens produzidas pelo pesquisador como portadoras de pensamento, uma vez que “nos fazem pensar, além delas moldarem o nosso próprio olhar. Somos, assim, ‘observadores’ condicionados tanto pelos nossos modos de ver como pela peculiaridade com que as imagens olham para nós” (SAMAIN, 2012, p. 16).

Fazer uso e se apropriar de arquivos visuais ou produzir as imagens em pesquisas é compreender as imagens como um fenômeno, pois ela é muito mais que um objeto: “ela é o lugar de um processo vivo, ela participa de um sistema de pensamento. A imagem é pensante” (p. 31).

Tratando a imagem como um fenômeno, considerei que tal perspectiva estimulava o entendimento de que a cidade é um espaço de existência do pesquisador, e também de existência do fazer a cidade pelos citadinos, pelos artistas que ocupam as cidades e que imprimem, em seus muros, outros circuitos de comunicação, relação e interação. Correspondente à cidade como existência e à imagem como um fenômeno, estas duas considerações me instigaram a compreender que as artes estampadas nos muros da cidade poderiam ser observadas como um lugar.

Não atribuir a estas imagens de destaque do universo artístico ou de ativismo politico social é o que Martins (2007) nos adverte, quando enseja discutir a mediação e a comunicação das imagens em espaços públicos, no âmbito das artes visuais. Ele explica o entendimento da seguinte forma: “Ao dar ênfase à ‘imagem’ como objeto de estudo e investigação e como meio de transmitir e transportar realidade material, não deve ser confundido com a comunicação e os estudos sobre mídia que têm seu foco nos ‘modos de transmissão” (p. 30). Assim, ao olhar as imagens estampadas nos muros da cidade de Macapá, o que elas sinalizavam eram possibilidades de diálogos de outras ordens.

Na interpretação e compreensão daqueles artefatos e valores culturais, as estruturas sociais ganham vida, e estas, apesar de falarem com o social, negam o direcionamento de uma criticidade que informa e transmite o visível. Estampadas nos muros, as imagens expressavam experiências sensoriais do cotidiano da vida na Amazônia. Funcionam como um fenômeno e, por abrigarem realidades desafiam a dicotomia estruturante do fazer artístico atrelado ao gosto e à crítica especializada e sistemática.

Neste entendimento as imagens dispostas na cidade não tratam ou consideram um público específico, determinando inclusive o que ele deve, pode ver e interpretar. É interessante lembrar que atualmente os públicos são múltiplos, diversos e plurais, e não há possibilidade – alguns tentam – de ordenar um jeito certo ou verdadeiro de ler imagens. (MARTINS, 2007).

As imagens com que me deparei na cidade de Macapá, cidade que serviu de campo de pesquisa de doutorado desde que iniciei a pesquisa, me interpelavam e, na medida em que a pesquisa ia me levando, fui acometida por estes novos suportes conceituais, e as reflexões foram se organizando, especialmente no sentido de que elas mobilizam e articulam práticas e referenciais dos sujeitos que as produzem, em distintos momentos e espaços-temporais.

Assim, estas ‘artes’ que encontrei nos muros, postes, asfalto e em outros suportes da cidade como existência, passaram a funcionar como um lugar de sentidos, e de despertar tantos outros, mas também um lugar de ‘sintomas’. São igualmente camadas narrativas, justapostas, mesmo que desprovidas de um sentido comum ou código alfabético, necessariamente. Nas palavras de Entler (2012, p. 134), “uma das grandes forças da imagem é a de produzir ao mesmo tempo sintoma (ruptura dentro do saber) e conhecimento (ruptura dentro do caos)”.

O enfoque dado à imagem, de que elas produzem e revelam, respectivamente, sentidos e sintomas, nos lança a seguinte questão: Por elas nos possibilitarem tanto uma direção precisa quanto uma variedade de direções obtusas, oblíquas, numa intensificação de simultaneidade e ambiguidade, como organizá-las para a compreensão e a produção de conhecimento? Esta questão implica sobremaneira na perspectiva do pesquisador que se esmera em respostas provisórias, instáveis e flexíveis, perspectivas nem sempre bem aceitas pelo universo de uma ciência que ilusoriamente busca justificar a verdade! A operacionalização do uso das imagens se encontra nas presenças incompletas que ela insinua e consegue “aprofundar a distância com a realidade que investiga, mas sem jamais negá-la, sem jamais romper o fio que a conecta” (ENTLER, 2012, p. 136).

Olhar para as produções estéticas e artísticas nesta proposição de que elas, como imagens fenômenos, são apropriações da ação humana, realidades tangíveis e intangíveis, concretas e simbólicas, artefatos e sentidos resultantes da articulação dos sujeitos em sua trajetória de vida, sejam elas individuais ou coletivas e ainda, práticas, atividades cotidianas e ritualizadas com referenciais de espaços-tempo amplificados pela memória e história. Acolhi estas imagens com este horizonte epistêmico para, enfim, fazer uso desse material.

Por conta de tais posicionamentos, e envolvida nesta premissa de que ao olhar uma imagem necessariamente falamos de interação, negociação e apropriação, colocando-a sempre em estado de instabilidade e polifonia, e que não corresponde nem representa necessariamente o real, intuí uma postura dissidente, do olhar tácito. Inspiração que vem ao encontro de “ver e pensar as imagens” nas reflexões de Samain (2012), entrelaçadas pela ideia de que estar diante da imagem reúne e faz convergir sensações “de ser no mundo como um estado do olhar e do pensamento” (DUBOIS, 1994).

Decerto a imagem como um fenômeno me ajudou a pensar a cidade como existência em relação ao posicionamento de pesquisadora, mas também um lugar reflexivo de acessar os dados de pesquisa, vislumbrando categorias de análises. Assim, a imagem fenômeno se estabeleceu como um aspecto epistêmico e também metodológico para seu uso para além de identificações com registro e ilustração. Ou seja, as imagens fenômenos articulam e se oferecem como encontros flexíveis de mediação e comunicação evidenciando a cidade como existência e a arte como lugar.

Passeio do olhar e os muros da cidade de Macapá: dispositivos de sensibilidades e análises com imagens

A quantidade de imagens que foi produzida em campo me estimulou a propor uma organização sistemática para que eu pudesse acessar uma via etnopoética para refletir sobre a poética social dos saberes, vivências e experiências do pesquisador e dos interlocutores da pesquisa, uma vez que a tese consiste em compreender como e sob quais circunstâncias as produções artísticas exercem, expressam e impactam as relações sócio-culturais.

Os interlocutores da pesquisa foram onze artistas que trabalham e apresentam seus artefatos estéticos na dinâmica da cidade com a elaboração de uma diversidade de linguagens, entre as quais destaco: performances, fotografias, web arte, palhaçaria, grafites, entre outras. Assim, acompanhei estas ações na cidade existência por dois anos, especificamente os anos de 2013 e 2014.

Ao final desse processo de produção de imagens eu possuía um arquivo visual com oitocentas e oitenta e duas imagens. E naquele momento, sem saber o que fazer com aquele material, mergulhei em leituras que me ajudassem a considerar as imagens como dados de pesquisa, mas não trazê-las apenas como correspondência ao texto escrito. Foram estas inquietações, particularmente, tanto de pesquisadora iniciante na área de antropologia visual quanto afeita à imagem, por ter vivido profissionalmente próxima às artes visuais, que este desejo se plasmou.

As noções iniciais, destacadas acima, me levaram à organização de um arquivo visual, similar ao diário de campo, porém especificamente com imagens. Esclareço que, diferente do diário de campo escrito, que é feito no momento de observação, mas também quando o pesquisador retorna ao ‘laboratório, casa’, as produções também seguiam a mesma lógica, contudo não tinham a preocupação de descrição, nem de narrar, mas de evocar sentidos e se deixar impregnar pelos sintomas das imagens. A intenção, ao fazer este diário de visual, é uma possibilidade de uso que encontrei para dispor de imagens como partilhas e seduções visuais, investidas por uma contraposição e desconstrução do que é visto e, por vezes, naturalizados, sobre a Amazônia.

Imagem 1 – Os barcos que ocupam as vias urbanas na cidade de Macapá

Imagem 1 – Os barcos que ocupam as vias urbanas na cidade de Macapá

Fonte: Silvia Marques

Ao considerar a poética do social, a captura de imagens se fez como um lugar de pensamentos, pois não foram os signos ou a tipologia que me interessou, “são as formas significantes, os sistemas de relações que fazem de uma fotografia, como de toda a imagem ou de todo o texto, um objeto de sentido” (SAMAIN, 2012, p. 32).

Optei por organizar as imagens em telas que julguei correspondentes, numa disposição de conjuntos temáticos ou sequências narrativas que sinalizassem referências e diálogos de uma realidade especifica a ser incorporada como forma de um percurso etnopoético de pesquisa, e finalizar uma montagem das categorias analíticas. Contudo, devo advertir que as imagens não possuem uma narrativa fixa, ou seja, cada uma, individualmente, e todas em conjunto, provocam e tensionam outras interpretações.

A princípio, as imagens foram selecionadas por conjuntos temáticos, composição de títulos, subtítulos, legendas identificando as localidades, os indivíduos, à disposição da linguagem artística que observei em campo, o tempo, o clima, o entorno da cidade, além de pequenos textos interpretativos que propunham significados sensíveis e mais amplos e abstratos para as situações fotografadas[4].

Imagem 2 – Acesso e captura das imagens

Imagem 2 – Acesso e captura das imagens

Fonte: Silvia Marques

A lógica, portanto, iniciaria a princípio reduzir o máximo possível de explicações técnicas, mas considerar a situação em que ela foi capturada. Era preciso de igual modo perceber o recorte que eu tinha dado a cena ou ainda considerar a sugestão do ângulo e que a imagem foi concebida pelos sintomas sugeridos. As combinações do olhar a imagem em casa, as lembranças do momento e sentimentos e sensações vividas para a produção da imagem permitiu uma liberdade provocativa de interpretação uma vez que diante da imagem tornamo-nos analistas e arqueólogos (SAMAIN, 2012).

Quero destacar que também tive a inspiração do trabalho de Warburg, citado por Samain (2012) que recomenda a reaprender a olhar pela antropologia visual o mundo visual. Ele diz que: “saber ler a vida através das imagens e, desse modo, permitir ao nosso imaginário viajar sem medo” (p. 77); este foi o esforço artesanal sensível de estar, viver e criar a cultura da existência no universo de uma cidade existência.

Dispus das imagens e resumi em pontos que fui me deixando fisgar sem a preocupação, a priori, de explicação prévia, descritiva e explicativa por algo. Anotar olhar o que a imagem insinuava era a brincadeira do dia. Ou mesmo perceber quais e como os sintomas dispostos nas imagens impactavam meu posicionamento reflexivo. Este movimento de olhar é sentido em suas relações com a memória, a escuta, o paladar, o tato e o olfato, como um processo de desfronteiramento de expansão e possibilidades inventivas.

Enumerei algumas orientações reflexivas para que, posteriormente, me ajudassem a perceber as categorias de análise, bem como as reflexões e discussões sobre os modos de estar e viver com a cidade e com a arte na Amazônia Amapaense.

1 - recortes de ações artísticas na cidade.

2 - convívio íntimo com a simbologia compartilhada do barco e do rio, intercambiando a imaginação.

3 - cores, sabores e imaginários que orientam as cosmologias da vida do lugar.

4 - condições públicas e sociais, singularidades de viver na Amazônia.

Estes quatro pontos foram os destaques que criei para o conjunto de imagens produzidas em campo e, a partir daí, as organizei em telas. Posteriormente fui resumindo em categorias analíticas. Aqui vou considerar o segundo ponto enumerado para discutir a categoria “cosmologias da Amazônia” nas produções artísticas que encontrei estampadas nos muros da cidade de Macapá.

Outra produção de dados com imagens se deu pela captura da ocupação expressiva de desenhos nos muros da cidade de Macapá, pinturas conhecidas como grafite que, em Macapá, teve início expressivo no ano de 2005. O coletivo de artistas Catita Clube talvez seja o mais conhecido nessa modalidade artística, tanto pelas intervenções nas ruas da cidade de Macapá, quanto pela organização de festas e convites para participar dessas intervenções nas redes sociais. Os grafites realizados por este grupo ocupam lugares diversos no espaço urbano: praças, canteiros, prédios abandonados, calçadão de passeio público, entre outros.

A intenção do coletivo era realizar várias intervenções de arte na cidade de Macapá, bem como em outras cidades, assim que fosse oportuno. No ano de 2011 o coletivo realizou, durante todo o ano, ações em praças públicas. Reuniam pessoas que queriam fazer da cidade um espaço de convívio mais próximo e afetivo. Diante da diversidade de formas de grafitar deste grupo, um tipo de desenho me chamou atenção por sua simplicidade de forma e ausência de cores, ou seja, o uso contrastante do preto no branco do muro. Encontrei desenhos coloridos com menos frequência.

Os desenhos figuravam ‘personagens’ fictícios e se assemelhavam a imagens mitológicas, surreais. A priori, na minha inquietação inicial, os desenhos observados aleatoriamente pelas ruas da cidade de Macapá, remetiam às histórias mitológicas da Amazônia. A mãe d’agua, a cobra grande e a matinta perêra eram figuras que me remetiam ao imaginário das festas e contos da Amazônia.

Ao parar para observar com mais cautela alguns desenhos nos muros, observei que os desenhos em preto e branco, em sua grande maioria, eram destaques, e que certas formatações se repetiam: olhos, cabelos e a ausência de cores. Como dito, a composição temática, no meu entender, remetia a uma perspectiva mitológica. Eu já desconfiava de algumas identificações do espaço amazônico nas produções, especialmente aqueles ligados ao patrimônio da cidade; no caso, o obelisco que identifica a linha imaginária do Equador, que fica na cidade de Macapá, ficou explícito na imagem abaixo:

Imagem 3 – Meio do Mundo

Imagem 3 – Meio do Mundo

Fonte: Silvia Marques – acervo da pesquisa

Embora desconfiada dessa identificação, não poderia afirmar tal ligação sem, contudo, ouvir e observar mais de perto as impressões, inspirações e articulações. O que me impulsionava era conhecer pontos, histórias e nuances dessa produção. Expressões simbólicas cercadas ou intuídas de uma lógica proveniente da feitura da cidade, com a consideração de singularidade da percepção mitológica da vida amazônica. Ou seja, o espaço da natureza, a questão climática e os aspectos de ocupação desse lugar ainda cheio de mistérios, encantamentos e imaginários.

Imagem 4 – Pinturas em Muros na cidade de Macapá

Imagem 4 – Pinturas em Muros na cidade de Macapá

Fonte: Acervo da Pesquisa

As conjecturas realizadas pela pesquisa ajudaram a entender que as produções artísticas que acompanhei na minha pesquisa, dialogam com uma simbologia estética, e o vínculo perceptivo da trajetória cultural experienciada na Amazônia. Isto implica e abre possibilidades para pensar as produções artísticas como narrativas que entoam reflexões e problematizações sentidas e vividas pelos sujeitos como seres inventivos e que traduzem a sua existência em materialidades artística. De modo que as imagens são emblemáticas sobre este vínculo, convergência ou proximidades com os entendimentos sobre mitologias, imaginários e uma lógica cosmogônica de explicar as relações sociais dos sujeitos que vivem, experimentam e frequentam o ambiente amazônico.

A imagem abaixo insinua um portal que cuida, resguarda e protege as pessoas, suas vidas e, acima de tudo, suas sintonias com a terra, a natureza e a vida do lugar.

Imagem 5 – Portal da Cidade – acervo da Pesquisa

Imagem 5 – Portal da Cidade – acervo da Pesquisa

Fonte: Silvia Marques

Esta imagem foi pintada no muro em frente à via urbana mais movimentada da cidade de Macapá; similar à ideia de um portal, este desenho protege e conecta as pessoas com as duas margens que separam a via pública, o asfalto e o rio Amazonas. O que está em jogo nesta discussão vem se contrapor às expectativas de modos de viver na atualidade, mecanismos desenfreados do avanço do capital e as relações predatórias com o meio ambiente, aspectos cada vez mais presentes que contribuem para tornar a vida mais precária.

Esta reflexão, oriunda da imagem, faz com que se possa gerenciar aprofundamentos sensíveis para refletir a cidade que fazemos, modelamos e desenhamos, por uma participação efetiva da existência e, acima de tudo, como nós nos relacionamos com a própria vida. Esta dimensão se tornou expressiva, bem como em tantas outras imagens que encontrei pela cidade de Macapá, e evocou, evoca, a nossa relação com o espaço da Amazônia.

Assim, as imagens sistematizadas, organizadas por um processo intuitivo e imaginativo, vieram proporcionar, na pesquisa, a reflexão sobre este universo da Amazônia. Impulsionando percepções que vêm de encontro à naturalização e estereótipos que este ambiente ainda sofre; entre eles, de um ambiente de difícil acesso, inóspito, mas com imensa beleza e disposição de bens naturais como celeiro que salvaguardara a vida humana. Esta ideia parece encastelar a Amazônia na dimensão da floresta, do verde que desconsidera seus agentes sociais, suas relações culturais e, sobretudo, a vida do lugar. Implica, portanto, considerar que tal crença há muito tempo vem alicerçando discursos e atitudes que incentivam a ocupação desenfreada de suas terras, sobretudo quando intensificam o sentimento de progresso e civilização desse ambiente.

Por fim, considero que as reflexões aqui dispostas sinalizam, minimamente, as percepções e sistematizações que elaborei diante da produção de imagens que produzi e que me deparei no campo de pesquisa. Porém, o destaque da pesquisa e também deste texto é de que o uso de imagens precisa ser mais bem aprofundado nas investigações que tomam a imagem como suporte conceitual, metodológico e analítico, discutido e divulgado amplamente, para se pensar a disciplina e investigações no horizonte da antropologia visual.

Ainda ressalto o caminho etnopoético escolhido pela pesquisa desenvolvida no programa de Sociologia da UFC, oportunizando ampliação para minha ação docente como um exercício contínuo de saber fazer pesquisa. Acessar o ambiente social por estas novas oportunidades, especialmente compreendendo a vida cotidiana por uma poética social e por uma investida investigativa de uma etnopoética, coloca os envolvidos na pesquisa em posições horizontalizadas, como agentes e como criadores do ambiente que habitam. Especialmente quando escolhem fazer pesquisa com imagens e com o universo visual que nos interpela cotidianamente.

Por fim, notas inconclusas

Neste texto, compartilhei algumas reflexões que me acompanharam no campo de estudo; todavia outras questões surgiram ao longo da pesquisa, que ainda exercem intercâmbios potentes para outras elaborações reflexivas. Assim, considero que as reflexões sobre tal tema – o uso das imagens nas pesquisas – ainda estão longe de ser conclusivas, ou seja, estão sempre em aberto. As tramas da experiência de pesquisa, portanto, colocaram em evidência a responsabilidade do pesquisador como um inventor e criador dos próprios dados, e que sua produção com imagens decerto deflagra o cultivo de sentidos em que se leva em conta a visão transversal e articuladora do visível, do imaginável e inventivo de estar e ser do mundo.

O desafio é latente no âmbito dos estudos visuais e da antropologia visual, e vem provocando pesquisadores a pensar e fazer pesquisa por outros modos, redimensionando argumentos e conceitos em outros rumos e em novos tempos, com suas possibilidades tecnológicas, abrindo, portanto, para outros e novos campos investigativos. Para tanto, concordo com Caiuby Novaes (1998), quando nos convoca a pensar acerca dos desafios da disciplina:

Cabe à antropologia capturar a natureza deste olhar que registra, procurar desvendar, através dessas imagens, um pouco do elemento representado, um pouco daquele que registrou. Cabe às universidades e aos museus estimular este tipo de empreendimento, para que não mais convivamos com as imagens sem nos darmos conta do que elas significam (p. 117).

Os arquivos visuais são referências estéticas do espaço Amazônico com a cena artística urbana na cidade de Macapá/AP, e a proposição da imagem como um fenômeno é ir além da instrumentalização técnica da captura, ilustração e registro da imagem. Portanto, compreendê-las como processos constitutivos de fenômenos, revelações, comunicação e convocação do mundo, este foi o aparato teórico que persisto e persigo, quando se deseja e se inspira a trabalhar com imagens na vertente contemporânea da antropologia visual.

Referências

ARGAN, G. C. História da Arte como história da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

CAMPOS, Ricardo. A cultura visual e o olhar antropológico. In: Visualidades: revista do programa de pós-graduação de Mestrado em Cultura Visual I Faculdade de Artes Visuais UFG – Vol. 10 n. 1 Goiânia. 2011.

CAIUBY NOVAES, Sylvia. O uso da imagem na antropologia. In: SAMAIN E. (org.). O fotográfico. São Paulo: Hucitec, 1998.

DUBOIS, Philip. O ato fotográfico e outros ensaios. Campinas (SP): Papirus, 1994.

HERZFELD Michael. Antropologia Cultural: prática teórica na cultura e na sociedade. Coleção antropologia. Petrópolis (RJ): Editora Vozes, 2014.

ENTLER, Ronaldo. Um pensamento de lacunas, sobreposições e silêncios. In: SAMAIN E. (org.). Como pensam as imagens. Campinas: Ed. Unicamp, 2012.

FARINA, Mauricius. Os Estudos Visuais como campo: Uma pesquisa em Delft. 16° Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisadores de Artes Plásticas Dinâmicas Epistemológicas em Artes Visuais. Florianópolis, 24 a 28 de setembro de 2007. http://www.anpap.org.br/anais/2007/2007/artigos/041.pdf. Acesso em: 18/09/2016.

LA ROCCA. Ambiências climatológicas urbanas: pensar a cidade pós-moderna. Revista Comunicação e Sociedade, vol. 18, 2010, p. 157-164. https://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/29825/1/Revista_Comunicacao_e_Sociedade_18.pdf. Acesso em 29/06/2017.

LEFEBVRE, Henri. O direito a cidade. São Paulo: Centauro, 2001.

NOVAES CAIUBY, Sylvia. O uso da imagem na antropologia. In: SAMAIN E. (org.). O fotográfico. Hucitec, São Paulo 1998.

MARTINS, Raimundo. A cultura visual e a construção social da arte, da imagem e das práticas do ver. In: OLIVEIRA de OLIVEIRA, Marilda (Org.). Arte, Educação e Cultura. Santa Maria: Ed. UFSM, 2007.

MAGNI, Claudia Turra & BRUSCHI, Mauro. Em busca do nomadismo da imagem no trânsito entre antropologia e imagem. In: SAMAIN, Etienne (org.). O Fotográfico. São Paulo: Hucitec, 1988.

SAMAIN. E. As imagens não são bolas de sinuca: como pensam as imagens? In: SAMAIN E. (org.). Como pensam as imagens. Campinas: Ed. Unicamp, 2012.


[1] Para La Rocca Climatologia deve ser entendida como um conjunto de características que a atmosfera do nosso tempo, o ar em que nos banhamos, tem de singular.

[2] No contexto dos Estudos Visuais, vislumbramos uma perspectiva metodológica para o trabalho com imagens que se desviam das normas e dos estilos, das funções consuetudinárias, considerando uma perspectiva transdisciplinar e ampliando seus limites epistemológicos. Colaboram para esse campo as teorias do signo, os estudos culturais, a sociologia, a história, as teorias da percepção, a antropologia, a filosofia, as poéticas da imagem. Busca-se averiguar a relação das linguagens e dos sistemas de representação, a partir das noções mais ampliadas do objeto contextualizado, numa perspectiva imanente em relação aos enunciados poéticos da cultura visual (FARINA, 2007).

[3] Samain (2012) nos oferece um panorama indicando e sugerindo várias pesquisas e pesquisadores que tratam as imagens como um fenômeno não só atrelado à tecnologia, mas uma proposição de que elas têm vida, pensam e nos fazem pensar.

[4] Esta sequencia metodológica foi inspirada na proposição de pesquisa de Claudia Turra Magni & Mauro Bruschi (1988). E também na deliberação de imagens como um fenômeno que busca na orientação de Aby Warburg de que a