Os Donos da Farinhada



Rosana Carvalho Paiva

Universidade Federal do Amazonas, Brasil.


A farinhada de Firmino é bastante celebrada por ser a primeira de 2011. Constitui um mutirão para processamento da farinha que envolve homens e mulheres, quase todos moradores de São Pedro, comunidade de quilombo e fundo de pasto de Monte Santo, município do sertão baiano.
Por Firmino ter visto as fotos que eu já havia tirado de seus familiares, ele me convida a fotografar a farinhada, para que ele pudesse guardar uma lembrança deste dia. As fotos serão sua recordação e devem registrar o que ele requisita: mandiocas, cachaça, o caminhão carregado, o trabalho no forno. Inicialmente, a mandioca é “arrancada” pelos homens no “roçado”, transportada em caminhão para a casa de farinha, sendo em seguida rapada pelas mulheres, ralada, prensada, peneirada e levada ao forno, quando o trabalho do “forneiro”, o jovem Zezinho, se destaca, pois dele depende a qualidade da farinha, recebendo por isso o convite de Firmino para posar nas fotos, já que ambos são “donos da farinhada”.
A escolha das composições das imagens torna significativa a importância do valor moral atribuído ao trabalho e, mais especificamente, ao “trabalho de roça”, refletindo como este expressa não apenas uma atividade econômica em sentido restrito, mas todo um modo de vida. Há também a projeção das relações de solidariedade e ajuda mútua que se expandem para além da unidade familiar, abarcando a família extensa, o que encontra maior expressão na “farinhada”, como uma forma de trabalho momentaneamente coletivo que envolve a participação de parentes e vizinhos.
Neste evento, desenvolve-se uma aproximação com a memória no sentido de quais ações, eventos, gestos, pessoas e atividades serão manejados para representar e compor a memória afetiva. Os dois principais personagens produziram posturas e intervieram na construção da composição de cada foto. Em algumas, houve pretensão de naturalidade ao interpretarmos etapas do trabalho efetivado. As imagens fotográficas revelam, portanto, a intersubjetividade, pois partem de uma construção mútua em que os personagens são agentes no processo de decisão de quais fotos tirar, quais elementos estarão presentes, quais não serão contemplados. Deste modo, as fotografias ressaltam seu potencial enquanto realidade na própria representação e ficcionalidade.



I_Senhor-Firmino_Os-Donos-da-Farinhada-(2) II_Cachaça-e-Cassuás_Os-Donos-da-Farinhada III_Caminho_Os-Donos-da-Farinhada-(3) IV_Monturo-de-mandioca_Os-Donos-da-Farinhada V_Forneiros_Os-Donos-da-Farinhada

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