Editorial



     É com imensa satisfação que trazemos ao leitor a edição de lançamento Revista Visagem, projeto do Grupo de Pesquisa em Antropologia Visual e da Imagem- VISAGEM,que traduz o esforço coletivo de estudantes da Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Pará. Nesse sentido é importante dizer que os visagentos e as visagentas (como são carinhosamente chamados os membros desse grupo) não mediram esforços para viabilizar a composição desse periódico, cujo objetivo é contribuir na ampliação do debate sobre a Antropologia Visual.

 

     O Grupo de Estudos Visagem foi criado em 2013 no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia (PPGSA) da Universidade Federal do Pará (UFPA). Estudantes do PPGSA perceberam as raras oportunidades de debates acerca das pesquisas em contexto da Antropologia Visual e da Imagem - embora haja inúmeros trabalhos de pesquisa com esse viés na região amazônica, e precisamente nos estados do Norte do Brasil - e passaram a projetar ações e espaços para esse tipo de discussão.

 

     A situação era favorável por um lado, pois se conta nas instituições de pesquisa da Amazônia Brasileira com vários pesquisadores e pesquisadoras que já desenvolvem estudos nesses moldes. Contudo, o cenário marcado pelo restrito espaço de debate era inegável e não causou desânimo, ao contrário, foi uma questão motivadora para o grupo se formar enquanto tal e lançar propostas de ações com objetivos relacionados à ampliação e consolidação das discussões acadêmicas que envolvem imagem, pesquisa antropológica, etnografia, dentre outros temas.

 

     A criação do Grupo Visagem foi fundamental para a criação da Revista com o mesmo nome, pois emergiu a partir de objetivos e metas bem definidos no que tange a Antropologia Visual e da Imagem. Desse modo, foi realizado o I Encontro de Antropologia Visual da América Amazônica (I EAVAAM), em novembro de 2014, no campus da UFPA; houve mostra de vídeos sobre Direitos Humanos; Oficina de Fotoetnografia; Exposição fotográfica de autoria de integrantes do grupo; além dos encontros com fins de estudos sobre obras referenciais. A Revista Visagem é, portanto, uma das metas estabelecidas pelo grupo no que tange aos seus objetivos científicos.

 

     Dessa maneira, a proposta foi lançada e várias foram as estratégias e ações que possibilitarão a tão almejada ampliação do debate sobre o fazer etnográfico com o uso de imagens. Certamente, o lançamento de um periódico desse porte facilitará sobremaneira que novos pesquisadores e pesquisadoras achem solo fértil para suas aspirações e paixões da/na Antropologia Visual na América Amazônica. Não obstante, a que pese a intenção de fomentar pesquisas nessa região, o grupo reconhece que um debate acadêmico de relevo e de grande envergadura não pode se restringir a determinados aspectos geo-espaciais ou às tradições teóricas e metodológicas. A ciência é marcada pela inovação, inclusive na maneira como se lida com temas, métodos e teorias.

 

     Assim, ressaltamos uma vez mais que há uma satisfação enorme em viabilizar espaço para discussões entre novas gerações de antropólogos e antropólogas que veem no uso de imagens uma oportunidade para realização de seus trabalhos. Da mesma maneira, isso se aplica também a pesquisadoras e pesquisadores que veem o uso da Antropologia como uma interessante ferramenta de investigação. Além disso, pode-se destacar que o diálogo intergeracional entre antropólogos e antropólogas de diversas idades e de diferentes tradições acadêmicas.

 

     A Revista Visagem emerge assim como um campo fértil na qual se lançarão sementes de trabalhos relevantes de pesquisadores e pesquisadoras da própria Amazônia. E embora não restrita a esse grupo de amazônidas, somos conscientes  de que, de algum modo, essa iniciativa surge com perspectivas de superação não apenas de espaços restritos ao diálogo acadêmico, pois corrobora com a superação de algo maior no mundo acadêmico: a colonização de ideias e saberes.

 

     Tivemos também a alegria de contar com pessoas que são referência na produção da Antropologia Visual e da Imagem. Mas, não apenas referências importantes no meio acadêmico e sim pessoas que possuem uma trajetória de vida marcadamente centrada em valores que contribuem para o respeito aos seres humanos e não humanos. O olhar com que veem o mundo revela mais do que uma técnica antropológica de investigação, na medida em que observam as práticas sociais em toda sua complexidade e simplicidade. Nossos colaboradores e colaboradoras são, antes de tudo, humanos observando com respeito outros seres desse planeta.

 

     Agradecemos ao grupo de pareceristas pelo esmero e dedicação à tarefa de avaliar os trabalhos. Nossa gratidão e reconhecimento pelo envolvimento com esse sonho. Muito devemos a essas pessoas que dedicaram seu tempo de maneira voluntária para apresentar suas análises criteriosas. Gratidão às pessoas que compuseram a Comissão Editorial: nossas estrelas da maior magnitude. Nosso respeito e admiração.

 

     Somos gratos e gratas aqueles e àquelas que disponibilizaram seus trabalhos e os submeteram à avaliação da Revista Visagem, acreditando corajosamente na nossa proposta. O que se segue é um breve relato do que está contido nesse histórico e memorável primeiro número (e quiçá, de outros milhares que virão periodicamente) da Revista Visagem.

 

     O artigo “A Palavra Filmada Pour la Suitedu Monde e as Contribuições de Pierre Perrault à Antropologia”, de Jean Segata (Universidade Federal do Rio Grande do Norte), apresenta um estudo sobre a obra do cineasta canadense Pierre Perrault (1927-1999) ainda pouco difundida no Brasil.

 

     Silvia Mathilde Stoehr (Universidad Nacional de Colombia) traz em seu artigo “Memorias, Silencios y Olvidos en la manigua“os resultados de uma investigação onde a fotografia é colocada como uma ferramenta para entender a mudança sócio-cultural vivida por algumas sociedades do Noroeste da Amazônia.

 

     Utilizando-se de brasileiros contemporâneos sobre a ditadura civil-militar no Brasil, Danielle Parfentieff de Noronha (Universitat Autònoma de Barcelona, Espanha) apresenta, no artigo “Considerações sobre antropologia, cinema e memória: aportes para uma construção metodológica”, a relação entre antropologia, cinema e memória, propondo o debate sobre a dualidade entre ficção e realidade contida nas obras consideradas ficcionais baseadas em momentos históricos.

 

     Já a Alex Nakaoka (UNICAMP) parte das imagens fotográficas para compor uma reconstrução verbo-visual da corrente budista japonesa Honmon Butsuryu-shu (HBS) - mais antiga vertente budista no Brasil. Para tanto, o pesquisador acompanhou a rotina dos sacerdotes da Catedral Nikkyoji, mostrando que suas diversas práticas e atividades, assim como a participação dos fiéis, transitam em torno de uma expressão ritual central, que consiste na adoração da escritura e oração sagrada, denominada Namumyouhourenguekyou.

 

     Gustavo Coelho (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) trata em seu artigo “Pixadores, Torcedores, Bate-bolas e Funkeiros: poéticas do enigma no reino da humanidade esclarecida” do cotidiano de um vasto número de jovens que circulam entre a pixação, as Torcidas Organizadas, as Turmas de Bate-Bola e os Bailes Funks conhecidos como “de Corredor” – uma espécie de constelação rueira do carioca.

 

     No artigo “Os aspectos visuais referentes às subjetividades de motociclistas de moto clubes no Recife: colete, brasão, batizado e impressões da sociedade”, Rebeca Kramer (Universidade Federal de Pernambuco) analisa o motociclismo enquanto manifestação cultural em Recife. Pesquisou motociclistas reunidos no espaço social de clubes de moto, no qual adotam performances e simbologias singulares na sua vestimenta comportamento e diálogo com a sociedade.

 

     Na Fotoetnografia de autoria de Lorena Tamyres Trindade da Costa (Universidade Federal do Pará), intitulada “Se você colocou o seu chapéu, você é a maruja verdadeira!”, observa-se o registro das imagens da Marujada, que acontece há 215 anos na cidade de Bragança, Pará, nos dias 25 e 26 de dezembro. A partir da visão sobre um elemento específico e de grande importância para os marujos e marujas: o chapéu. Com flores, fitas coloridas e brilho, ele chama atenção e expressa toda a dedicação dos marujos e marujas para louvar seu padroeiro São Benedito.

 

     Rosana Carvalho Paiva (Universidade Federal do Amazonas) apresenta a Fotoetnografia “Os donos da farinhada” trata do mutirão para processamento da farinha que envolve homens e mulheres, quase todos moradores de São Pedro, comunidade de quilombo e fundo de pasto de Monte Santo, município do sertão baiano. 

 

     Júlio César Borges (Universidade de Brasília) apresenta o ensaio fotográfico intitulado “Côkrit-hô: alteridade cosmológica sob máscaras na Festa dos Peixes e das Lontras, do Povo Indígena Krahô”. Nesta Fotoetnografia o autor apresenta as máscaras-esteiras Côhkrit-hô, que aparecem na festa dos Peixes e Lontras (Tep me Têre), dos índios Krahô – povo Timbira Oriental, que vive numa reserva no norte do Estado do Tocantins. As máscaras são associadas, segundo sua mitologia à água e aos peixes.

 

     “Caminhando em branco: fotoetnografia da festa de Yemanjá em João Pessoa, PB, de autoria de Thiago de Lima Oliveira (Universidade Federal da Paraíba), consiste no registro da festa de Yemanjá como um dos principais momentos do calendário festivo das religiões afro-brasileiras na cidade de João Pessoa. Na cidade a festividade é realizada no dia 8 de dezembro, comemoração do dia de Nossa Senhora da Conceição, entendida como Yemanjána lógica sincretista. A festa é organizada e financiada pelo Palácio de Xangô Alafim, terreiro da nação Moçambique dirigido pelo babalorixá pai Gilberto. O ápice é a caminhada da panela de Yemanjá, momento em que se realiza uma procissão desde o Palácio de Xangô, no bairro de cruz das Armas, zona oeste da cidade, até a Praia de Tambaú, região de classe média-alta.

 

     Flavio Contente (Universidade Federal Rural da Amazônia) e Ariadne Contente (Universidade Federal do Pará) apresentam na fotoetnografia “O legado histórico na produção da cerâmica Caeteuara” um estudo acerca da cultura CAETEUARA, socializando com a sociedade contemporânea, a técnica da criação das peças de cerâmica que diariamente são produzidas pelas poucas famílias que vivem e ainda acreditam na valorização de sua cultura.

 

     “As Cores do Festejo Kalunga na Época de Seca do Cerrado” de autoria de Júlia de Capdeville (Universidade de Brasília) a Fotoetnografia sobre o Sítio Histórico e Patrimônio Cultural Kalunga, localizado no norte do estado de Goiás, se detém no cotidiano da maior comunidade quilombola do Brasil em extensão territorial, formada por 58 comunidades num espaço de 37 mil hectares distribuídos por três municípios (Cavalcante, Teresina e Monte Alegre). Esse quilombo se divide em três grandes concentrações de comunidades: o Vão de Almas, Vão do Moleque e Engenho. 

 

     No Ensaio “Fotografia e poesia” Francisco Weyl analisa uma fotografia que ele próprio obteve no ano de 1998, na cidade de Braga, Portugal, mais exatamente no depósito localizado aos fundos de um abrigo de idosos, aonde àquela altura habitava o poeta lusíada Sebastião Alba. O autor capturou esta imagem e estabeleceu uma relação afetiva com ela por estar pesquisando a pessoa ali retratada.

 

      As entrevistas apresentadas nesse primeiro número são exemplares no que se refere às pessoas por nós referenciadas em trabalhos com imagens. São eles Lourdes Furtado, do Museu Paraense Emilio Goeldi; e Luiz Eduardo Robinson Achutti, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Lourdes Furtado foi entrevista por Genisson Paes e nela se esmiúçam as múltiplas ações do Projeto RENAS com relação às imagens dos diversos grupos e comunidades amazônicas. Alessandro Ricardo Campos nos apresenta a entrevista com Luiz Eduardo Achutti, uma referência inigualável por sua trajetória e por ter proposto e elaborado o conceito de Fotoetnografia, e que até hoje é embasamento para pesquisas com esse viés.

 

     Os vídeos são alicerçados em pesquisas antropológicas em âmbito da Pós-Graduação. Leila Ferreira Leite nos mostra aspectos de sua pesquisa de mestrado sobre juventude grafiteira de Belém. Estão registradas entrevistas com os grafiteiros e sua rede de sociabilidade a respeito desses eventos que foram organizados por eles e também imagens das diversas ações como Skate, B’Boy, Dj, Mc, trançadeira, poetas, além do público.

 

     Já a produção visual coletiva intitulada “O sagrado é ecológico no candomblé angola de Alessandro Ricardo Campos, Kátia Simone Alves Araújo, Arthur Leandro, e outros, trata da questão ecológica no candomblé, mostrando uma ação educativa e prática de saberes culturais na construção da educação ambiental em uma comunidade do Terreiro, em Belém.

 

     Na resenha “Os nós e os não-nós em tela ou sobre filmes como projeção cultural: sedução, imagem e diversidade” de  Mílton Ribeiro da Silva Filho nos apresenta o livro Imagem-violência: etnografia de um cinema provocador deRose Satiko Gitirana Hikiji, que traz consigo uma antropologia do cinema com base em autores clássicos como C. Geertz, Marcel Maus, R Benedict, W. Benjamim e outros. Na perspectiva de incorporação da produção cinematográfica enquanto material etnográfico, o autor demonstra como Rose Satiko Gitirana Hikiji constrói e operacionaliza o conceito de “imagem-violência” por meio do qual buscou compreender uma filmografia norte americana especifica.

 

     Com a expectativa de que este número da Revista Visagem contribua para os estudos de Antropologia Visual e da Imagem, com suas interfaces inerentes à interdisciplinaridade, desejamos uma excelente leitura.

 



Profa. Dra. Denise Machado Cardoso





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